- Insurgência Reconstrução Democrática
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A nomeação de Guilherme Boulos, deputado federal eleito pelo PSOL de São Paulo e dirigente da corrente Revolução Solidária, para o cargo de Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República gerou grande repercussão. Não é por menos. Ao se candidatar à Presidência em 2018, e por duas vezes à prefeitura de São Paulo, seu nome alcançou projeção nacional. Em princípio, o objetivo anunciado por Lula para a nomeação seria o de reforçar as relações do governo com os movimentos sociais, indicando uma figura com maior capacidade de interlocução nesta frente. O antigo ministro, Márcio Macedo, acabou marcado por momentos de baixa mobilização, como nas atividades do 1º de Maio com a presença de Lula.
Seria este um movimento progressivo de Lula, no contexto de um possível “giro à esquerda”? Se o objetivo propagado estiver correto, o intuito do governo é ter mais força junto aos movimentos. É fato que o governo vive seu melhor momento em termos de popularidade, exatamente por ter abraçado pautas progressistas como a defesa da soberania e a taxação dos mais ricos. O campo progressista também voltou a se animar com as ruas na denúncia da PEC da blindagem, mostrando capacidade de mobilização.
Entretanto, uma mirada mais detalhada nas ações do governo revelam outra coisa. No mesmo dia em que se deu a nomeação de Guilherme Boulos, o governo federal autorizou a exploração do petróleo na margem equatorial, abrindo uma nova frente no litoral que tem a maior faixa contínua de manguezais do mundo. Uma insistência em um modelo de desenvolvimento que põe em risco a vida no planeta e que passa por cima de comunidades, povos tradicionais e organizações ambientalistas que alertam sobre os impactos. A aprovação compromete a própria COP 30 em seu objetivo de reduzir o consumo de combustíveis fósseis numa perspectiva de transição energética e esvazia o papel de líder climático reivindicado pelo presidente Lula no cenário internacional.
Além disso, as relações entre governo e movimentos sociais são mais complexas. Nesta conjuntura, devemos questionar: o que se pretende com a nomeação de Boulos é mesmo alterar a forma com que os governos petistas construíram essa relação com os movimentos? Nos parece que não. A experiência histórica e o próprio governo Lula 3, o imobilismo das estruturas sindicais do campo governista frente às medidas regressivas - como as privatizações e o arcabouço fiscal - permanecem representando a lógica das relações governo/movimento. A entrada de Boulos na Secretaria-Geral da Presidência poderá reforçar os mecanismos de cooptação, alocando um novo conjunto de lideranças nas estruturas governamentais e conduzindo a atuação dos movimentos aos limites do que o governo estiver disposto a viabilizar.
O papel de Boulos será o de mobilizar a classe contra as privatizações que o governo federal pretende realizar, de denunciar a reforma administrativa ou de escutar os movimentos ambientalistas, povos e comunidades tradicionais contrários à exploração de petróleo na foz do Amazonas? Não parece ser o caso. Na verdade, esse conjunto de pautas mostra as tensões que marcam o governo e a prevalência de uma agenda neoliberal que deve ser enfrentada com mobilização popular. Se é o caso de empurrar o governo à esquerda, isso deve ser feito desde fora, não a partir das salas palacianas em que foram forjadas essas próprias medidas. Um bom exemplo disso foram as mobilizações contra a PEC da blindagem, processo em que o próprio Boulos foi protagonista na articulação e que produziram a principal vitória do campo progressista no último período e que ocorreram apesar do não engajamento, e até mesmo desmobilização do governo federal.
Tampouco seu papel será o de tensionar as contradições do governo em favor de medidas importantes para a classe, mas que a Frente Ampla consolidou em favor das elites. Algumas medidas seriam essenciais para a classe trabalhadora, como por exemplo: revogação das contrarreformas trabalhista e previdenciária, reversão da privatização da Eletrobras e do metrô de Belo Horizonte, além do fim da autonomia do Banco Central e do Arcabouço Fiscal. Mas o governo não toma nenhuma iniciativa para reverter essas maldades aprovadas durante os governos Temer e Bolsonaro.
Cumpre salientar que o PSOL acabou de realizar sua atualização programática e reafirmou seu caráter anticapitalista e sua independência de classe, avançando no debate sobre o tema ambiental e as lutas de diferentes sujeitos sociais (trabalhadoras e trabalhadores, mulheres, negros e negras, LGBTQIAPN+, indígenas, PCDs etc.).
O papel do PSOL
Reivindicar a autonomia do PSOL é defender sua capacidade de, a um só tempo, enfrentar a extrema direita e atuar para mobilizar a sociedade na defesa de direitos. Longe de ser superada, a decisão do PSOL que, em reunião do DN de dezembro de 2022, firmou posição sobre a relação com o governo Lula e assemelhados nos estados, na verdade, mostra-se fundamental. Na ocasião, se decidiu que nosso partido participaria da base do governo no Congresso, mas manteria sua independência diante de medidas que afetassem a vida da classe trabalhadora. “O PSOL apoiará o governo Lula em todas as suas ações de recuperação dos direitos sociais e de interesses populares. Estaremos presentes nas trincheiras do parlamento e nas lutas do povo brasileiro, combatendo a extrema-direita e defendendo o governo democraticamente eleito, mas o PSOL não terá cargos na gestão que se inicia”, diz a resolução.
Essa decisão tomada pelo partido levou em conta os riscos do golpismo da extrema direita, mas também as características da chapa que elegeu Lula, a composição que se indicava do novo governo e a estratégia de conciliação de classes que seria adotada. Era nítido para o PSOL que o novo governo buscaria acordos de governabilidade que poderiam colocar em risco o programa aprovado nas urnas. Por isso, a não incorporação do partido à disciplina do governo representava (e ainda representa) uma salvaguarda aos interesses das camadas exploradas e oprimidas da sociedade brasileira, na medida em que nos permite orientar-se pelo programa partidário.
O texto, aprovado por ampla maioria em seu diretório nacional, afastava a possibilidade de que o PSOL adotasse uma postura sectária frente ao novo governo ou subestimasse o crescimento da extrema direita, que ainda possuía, como possui, força na conjuntura, como demonstrado na tentativa de golpe de 08/01 e na recente ofensiva contra o governo no congresso nacional. Essa decisão nos permitiu assumir o protagonismo na campanha “Sem Anistia para Golpistas”, ao mesmo tempo em que pudemos criticar e votar contra o arcabouço fiscal e o pacote de redução de gastos, além de apresentar candidatura alternativa aos candidatos do Centrão à presidência da Câmara Federal apoiados pelo governo, criticar abertamente a exploração de petróleo na Foz da Amazônia e apostar na mobilização de rua contra a extrema diretia, por exemplo.
A versão final da resolução, permitiu que filiados pudessem assumir cargos, contanto que se afastassem dos espaços de direção partidária, mantendo-se, assim, o espírito geral de independência com o governo. Esse compromisso coletivo não foi alterado nas discussões do 8° Congresso Nacional do PSOL e foi a base para a manutenção da unidade da maioria do partido.
A movimentação de Guilherme Boulos submete à disciplina do governo não só uma importante figura pública reconhecida pela classe trabalhadora por sua combativa trajetória junto ao MTST, mas também o faz com a principal liderança do PSOL, dado o importante papel que cumpriu em 2018, 2020, 2022 e 2024 e a prioridade dada pelo partido em suas candidaturas. Assim, mesmo que Boulos cumpra a cláusula de afastamento do partido, a posição de independência do PSOL adotada até o momento, e prevista em resolução, ficará comprometida, com nossa principal voz pública submetida à disciplina de governo. Sob esse ângulo, como expressão principal do bloco dirigente, tal política representa um esvaziamento da decisão partidária, e até mesmo do bloco majoritário, em nome da adesão ao projeto político hegemônico.
Caso confirmados os termos divulgados pela imprensa, que disse que a nomeação estaria atrelada ao não lançamento da candidatura de Boulos à reeleição à Câmara dos Deputados, a decisão ainda poderá colocar em risco a superação da cláusula de barreira pelo partido, devido à grande votação conquistada por Boulos ao parlamento no pleito de 2022. Por tudo isso, compreendemos que a resolução segue atual e deve ser respeitada, tanto em relação à centralidade de enfrentamento da extrema direita quanto às táticas que isso implica de não ocupação de cargos no governo.
A aposta nas ruas
Os formuladores da linha que defende acomodar o PSOL nas estruturas do Poder Executivo dirão que qualquer crítica mais contundente ao governo não deve ser feita, tendo em vista as ameaças da extrema direita. Ignoram que a estratégia de conciliação de classes em que se ocupa tanto o Estado quanto a atuação fora dele tem se mostrado problemática, levando à burocratização, adaptação à institucionalidade e comprometimento das lutas sociais. Também reduzem o questionamento pela esquerda dos limites do governo, que têm levado a movimentações em nossa classe. É o caso do movimento sindical que luta contra as privatizações promovidas ou viabilizadas pelo governo federal; de ambientalistas que contestam a opção política da exploração de petróleo na Margem Equatorial; dos movimentos da educação que gritam "fora Lemann" para o ministro da educação Camilo Santa, subserviente às fundações privadas; de trabalhadores e trabalhadoras sem-terra que ocuparam dezenas de prédios federais para denunciar a paralisia da reforma agrária; da luta da classe trabalhadora que exige do governo uma postura de engajamento pelo fim da escala 6x1; dos movimentos antirracistas que reivindicam, sem ilusão com uma representatividade esvaziada, a indicação de uma jurista negra ao STF etc. Aliás, não veio do governo nem de sua base a importante mobilização contra a PEC da blindagem. Ao contrário, correu-se o risco desse setor votar a favor dela. Foi o sentimento de repulsa desde fora que impediu isso.
Todos esses movimentos, ainda que embrionários e longe de significar um ascenso das massas, expressam a existência de um espaço político para a esquerda que reivindica a superação dos limites da política de conciliação de classes. A aposta nesses movimentos oferece, aos lutadores e lutadoras, caminhos de reorganização que vão para além da adaptação aos limites do Estado e de suas instituições. Caminhos que recuperem a potência anticapitalista e ecossocialista em nossos debates estratégicos. Esta missão é fundamental, em tempos onde a feroz destruição capitalista compromete o futuro do planeta e da humanidade.
Insurgência Reconstrução Democrática e Rebelião Ecossocialista






