top of page
  • Foto do escritor: Insurgência Reconstrução Democrática
    Insurgência Reconstrução Democrática
  • há 2 dias
  • 7 min de leitura
ree

A nomeação de Guilherme Boulos, deputado federal eleito pelo PSOL de São Paulo e dirigente da corrente Revolução Solidária, para o cargo de Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República gerou grande repercussão. Não é por menos. Ao se candidatar à Presidência em 2018, e por duas vezes à prefeitura de São Paulo, seu nome alcançou projeção nacional. Em princípio, o objetivo anunciado por Lula para a nomeação seria o de reforçar as relações do governo com os movimentos sociais, indicando uma figura com maior capacidade de interlocução nesta frente. O antigo ministro, Márcio Macedo, acabou marcado por momentos de baixa mobilização, como nas atividades do 1º de Maio com a presença de Lula.


Seria este um movimento progressivo de Lula, no contexto de um possível “giro à esquerda”? Se o objetivo propagado estiver correto, o intuito do governo é ter mais força junto aos movimentos. É fato que o governo vive seu melhor momento em termos de popularidade, exatamente por ter abraçado pautas progressistas como a defesa da soberania e a taxação dos mais ricos. O campo progressista também voltou a se animar com as ruas na denúncia da PEC da blindagem, mostrando capacidade de mobilização. 


Entretanto, uma mirada mais detalhada nas ações do governo revelam outra coisa. No mesmo dia em que se deu a nomeação de Guilherme Boulos, o governo federal autorizou a exploração do petróleo na margem equatorial, abrindo uma nova frente no litoral que tem a maior faixa contínua de manguezais do mundo. Uma insistência em um modelo de desenvolvimento que põe em risco a vida no planeta e que passa por cima de comunidades, povos tradicionais e organizações ambientalistas que alertam sobre os impactos. A aprovação compromete a própria COP 30 em seu objetivo de reduzir o consumo de combustíveis fósseis numa perspectiva de transição energética e esvazia o papel de líder climático reivindicado pelo presidente Lula no cenário internacional. 


Além disso, as relações entre governo e movimentos sociais são mais complexas.  Nesta conjuntura, devemos questionar: o que se pretende com a nomeação de Boulos é mesmo alterar a forma com que os governos petistas construíram essa relação com os movimentos? Nos parece que não. A experiência histórica e o próprio governo Lula 3, o imobilismo das estruturas sindicais do campo governista frente às medidas regressivas - como as privatizações e o arcabouço fiscal - permanecem representando a lógica das relações governo/movimento. A entrada de Boulos na Secretaria-Geral da Presidência poderá reforçar os mecanismos de cooptação, alocando um novo conjunto de lideranças nas estruturas governamentais e conduzindo a atuação dos movimentos aos limites do que o governo estiver disposto a viabilizar.


O papel de Boulos será o de mobilizar a classe contra as privatizações que o governo federal pretende realizar, de denunciar a reforma administrativa ou de escutar os movimentos ambientalistas, povos e comunidades tradicionais contrários à exploração de petróleo na foz do Amazonas? Não parece ser o caso. Na verdade, esse conjunto de pautas mostra as tensões que marcam o governo e a prevalência de uma agenda neoliberal que deve ser enfrentada com mobilização popular. Se é o caso de empurrar o governo à esquerda, isso deve ser feito desde fora, não a partir das salas palacianas em que foram forjadas essas próprias medidas. Um bom exemplo disso foram as mobilizações contra a PEC da blindagem, processo em que o próprio Boulos foi protagonista na articulação e que produziram a principal vitória do campo progressista no último período e que ocorreram apesar do não engajamento, e até mesmo desmobilização do governo federal.


Tampouco seu papel será o de tensionar as contradições do governo em favor de medidas importantes para a classe, mas que a Frente Ampla consolidou em favor das elites. Algumas medidas seriam essenciais para a classe trabalhadora, como por exemplo: revogação das contrarreformas trabalhista e previdenciária, reversão da privatização da Eletrobras e do metrô de Belo Horizonte, além do fim da autonomia do Banco Central e do Arcabouço Fiscal. Mas o governo não toma nenhuma iniciativa para reverter essas maldades aprovadas durante os governos Temer e Bolsonaro.


Cumpre salientar que o PSOL acabou de realizar sua atualização programática e reafirmou seu caráter anticapitalista e sua independência de classe, avançando no debate sobre o tema ambiental e as lutas de diferentes sujeitos sociais (trabalhadoras e trabalhadores, mulheres, negros e negras, LGBTQIAPN+, indígenas, PCDs etc.).


O papel do PSOL


Reivindicar a autonomia do PSOL é defender sua capacidade de, a um só tempo, enfrentar a extrema direita e atuar para mobilizar a sociedade na defesa de direitos. Longe de ser superada, a decisão do PSOL que, em reunião do DN de dezembro de 2022, firmou posição sobre a relação com o governo Lula e assemelhados nos estados, na verdade, mostra-se fundamental. Na ocasião, se decidiu que nosso partido participaria da base do governo no Congresso, mas manteria sua independência diante de medidas que afetassem a vida da classe trabalhadora. “O PSOL apoiará o governo Lula em todas as suas ações de recuperação dos direitos sociais e de interesses populares. Estaremos presentes nas trincheiras do parlamento e nas lutas do povo brasileiro, combatendo a extrema-direita e defendendo o governo democraticamente eleito, mas o PSOL não terá cargos na gestão que se inicia”, diz a resolução.


Essa decisão tomada pelo partido levou em conta os riscos do golpismo da extrema direita, mas também as características da chapa que elegeu Lula, a composição que se indicava do novo governo e a estratégia de conciliação de classes que seria adotada. Era nítido para o PSOL que o novo governo buscaria acordos de governabilidade que poderiam colocar em risco o programa aprovado nas urnas. Por isso, a não incorporação do partido à disciplina do governo representava (e ainda representa) uma salvaguarda aos interesses das camadas exploradas e oprimidas da sociedade brasileira, na medida em que nos permite orientar-se pelo programa partidário. 


O texto, aprovado por ampla maioria em seu diretório nacional, afastava a possibilidade de que o PSOL adotasse uma postura sectária frente ao novo governo ou subestimasse o crescimento da extrema direita, que ainda possuía, como possui, força na conjuntura, como demonstrado na tentativa de golpe de 08/01 e na recente ofensiva contra o governo no congresso nacional. Essa decisão nos permitiu assumir o protagonismo na campanha “Sem Anistia para Golpistas”, ao mesmo tempo em que pudemos criticar e votar contra o arcabouço fiscal e o pacote de redução de gastos, além de apresentar candidatura alternativa aos candidatos do Centrão à presidência da Câmara Federal apoiados pelo governo, criticar abertamente a exploração de petróleo na Foz da Amazônia e apostar na mobilização de rua contra a extrema diretia, por exemplo. 


A versão final da resolução, permitiu que filiados pudessem assumir cargos, contanto que se afastassem dos espaços de direção partidária, mantendo-se, assim, o espírito geral de independência com o governo. Esse compromisso coletivo não foi alterado nas discussões do 8° Congresso Nacional do PSOL e foi a base para a manutenção da unidade da maioria do partido.


A movimentação de Guilherme Boulos submete à disciplina do governo não só uma importante figura pública reconhecida pela classe trabalhadora por sua combativa trajetória junto ao MTST, mas também o faz com a principal liderança do PSOL, dado o importante papel que cumpriu em 2018, 2020, 2022 e 2024 e a prioridade dada pelo partido em suas candidaturas. Assim, mesmo que Boulos cumpra a cláusula de afastamento do partido, a posição de independência do PSOL adotada até o momento, e prevista em resolução, ficará comprometida, com nossa principal voz pública submetida à disciplina de governo. Sob esse ângulo, como expressão principal do bloco dirigente, tal política representa um esvaziamento da decisão partidária, e até mesmo do bloco majoritário, em nome da adesão ao projeto político hegemônico.


Caso confirmados os termos divulgados pela imprensa, que disse que a nomeação estaria atrelada ao não lançamento da candidatura de Boulos à reeleição à Câmara dos Deputados, a decisão ainda poderá colocar em risco a superação da cláusula de barreira pelo partido, devido à grande votação conquistada por Boulos ao parlamento no pleito de 2022. Por tudo isso, compreendemos que a resolução segue atual e deve ser respeitada, tanto em relação à centralidade de enfrentamento da extrema direita quanto às táticas que isso implica de não ocupação de cargos no governo.


A aposta nas ruas


Os formuladores da linha que defende acomodar o PSOL nas estruturas do Poder Executivo dirão que qualquer crítica mais contundente ao governo não deve ser feita, tendo em vista as ameaças da extrema direita. Ignoram que a estratégia de conciliação de classes  em que se ocupa tanto o Estado quanto a atuação fora dele tem se mostrado problemática, levando à burocratização, adaptação à institucionalidade e comprometimento das lutas sociais. Também reduzem o questionamento pela esquerda dos limites do governo, que têm levado a movimentações em nossa classe. É o caso do movimento sindical que luta contra as privatizações promovidas ou viabilizadas pelo governo federal; de ambientalistas que contestam a opção política da exploração de petróleo na Margem Equatorial; dos movimentos da educação que gritam "fora Lemann" para o ministro da educação Camilo Santa, subserviente às fundações privadas; de trabalhadores e trabalhadoras sem-terra que ocuparam dezenas de prédios federais para denunciar a paralisia da reforma agrária; da luta da classe trabalhadora que exige do governo uma postura de engajamento pelo fim da escala 6x1; dos movimentos antirracistas que reivindicam, sem ilusão com uma representatividade esvaziada, a indicação de uma jurista negra ao STF etc. Aliás, não veio do governo nem de sua base a importante mobilização contra a PEC da blindagem. Ao contrário, correu-se o risco desse setor votar a favor dela. Foi o sentimento de repulsa desde fora que impediu isso.


Todos esses movimentos, ainda que embrionários e longe de significar um ascenso das massas, expressam a existência de um espaço político para a esquerda que reivindica a superação dos limites da política de conciliação de classes. A aposta nesses movimentos oferece, aos lutadores e lutadoras, caminhos de reorganização que vão para além da adaptação aos limites do Estado e de suas instituições. Caminhos que recuperem a potência anticapitalista e ecossocialista em nossos debates estratégicos. Esta missão é fundamental, em tempos onde a feroz destruição capitalista compromete o futuro do planeta e da humanidade.


Insurgência Reconstrução Democrática e Rebelião Ecossocialista

 
 
 
  • Foto do escritor: Insurgência Reconstrução Democrática
    Insurgência Reconstrução Democrática
  • 1 de out.
  • 7 min de leitura
No último fim de semana, em São Paulo, o PSOL reafirmou ser um partido anticapitalista e avançou na compreensão da questão ambiental, ainda que não tenha se assumido ecossocialista; relação com o Estado, contudo, inspira preocupações.
No último fim de semana, em São Paulo, o PSOL reafirmou ser um partido anticapitalista e avançou na compreensão da questão ambiental, ainda que não tenha se assumido ecossocialista; relação com o Estado, contudo, inspira preocupações.

O novo programa partidário do PSOL foi aprovado, no último fim de semana, em conferência que marcou os vinte anos de legalização do partido. O texto reafirma o caráter anticapitalista da organização e sua independência de classe, ao passo que avança na compreensão de desafios do tempo presente, com destaque para a questão ambiental, o enfrentamento das plataformas digitais e a necessidade de conexão das lutas travadas por diversos sujeitos, como trabalhadores e trabalhadoras, mulheres, negros e negras, população LGBTQIAPN+, indígenas e demais povos e comunidades tradicionais. Assim, ainda que o debate programático tenha sido feito a frio, dado o contexto de pouca dinâmica interna na maior parte dos municípios, o PSOL confirmou seu papel como espaço de aglutinação de organizações revolucionárias e militantes, bem como unidade em pontos fundamentais, que devem ser transformados em luta coletiva. Os desafios que o partido tem enfrentado no último período, contudo, também permearam os debates, evidenciando as diferenças internas tanto em relação à estratégia quanto às movimentações táticas.


A centralidade da estratégia ecossocialista


O primeiro ponto de dissenso na conferência programática foi a afirmação do PSOL como um partido ecossocialista. Pelo menos desde 2009, o partido tem avançado no entendimento de que a contradição capitalista também se dá em relação à natureza. O agravamento da crise climática e suas consequências tornaram óbvio o caráter destrutivo deste sistema, que coloca a vida da humanidade e da natureza em risco. As lutas dos povos e comunidades tradicionais contra o avanço do capital em seus territórios tem ensinado sobre o caráter anticapitalista de conflitos que não estão diretamente associados ao mundo do trabalho, ainda que estes sigam centrais. Como resultado, o novo programa incorporou essa compreensão, mas não houve consenso na afirmação do PSOL como um partido ecossocialista pelo setor organizado no PSOL de Todas as Lutas (PTL). Em que pese a Primavera e o Campo Semente terem expressado acordo com o ecossocialismo, afirmaram estar fazendo uma concessão para a Revolução Solidária, em nome da unidade do PTL, votando contra a emenda proposta por Insurgência Reconstrução Democrática, Rebelião Ecossocialista, APS, MES, LSR, Centelhas e Alicerce.


Mais que “considerar a perspectiva ecossocialista”, como aparece no texto, compreendemos que a estratégia ecossocialista é a melhor síntese do socialismo do século XXI. Nesse sentido, diversas emendas que propusemos buscaram enfatizar: a necessidade de superação da apartação entre humanidade e natureza, que está na base do capitalismo e da sua visão instrumental em relação aos bens comuns; a crítica à visão homogeneizadora que subjaz à ideia de progresso e de desenvolvimento; o papel dos povos e comunidades tradicionais como sujeitos centrais para o projeto revolucionário; além de elementos da transição ecossocialista. Na contraproposta que apresentamos, estava explícito que: “devemos defender, portanto, um projeto popular, ecológico e radicalmente democrático que construa as bases econômicas, sociais e políticas para a transição ecossocialista”. Ao rejeitar a emenda que aglutinava tais ideias, o PSOL perdeu a oportunidade de afirmar essa síntese do legado socialista e dos desafios do presente, a qual poderia armar melhor o partido para as lutas crescentes frente às frequentes catástrofes socioambientais.


A caracterização e a relação com o Estado 


Uma diferença ainda mais demarcada apareceu no debate sobre o Estado e seus mecanismos de cooptação. Ao longo de todo o texto apresentado pelo setor majoritário, constava uma visão sobre o Estado como espaço neutro ou até favorável aos interesses da classe trabalhadora. Em uma primeira versão, estava escrito que: “a grande disputa de poder hoje se concentra em dois grandes pólos: Os bilionários e rentistas de um lado e o Estado e a maioria da população do outro”. Ao transpor tal entendimento para a análise específica do caso brasileiro em plenário, no texto e na discussão, esse setor sustentou que o capitalismo dependente brasileiro seria marcado por uma relação de distanciamento da burguesia do aparato estatal. O que resvala em uma visão tática de ocupação dos espaços institucionais para obtenção de conquistas e em uma ausência de problematização sobre a nossa relação com o aparato estatal.


Na esteira desse entendimento, o texto original afirmava um caráter progressista da Constituição Federal de 1988 e do modelo de Estado dela resultante, mesmo que com permanências de regimes anteriores, como o caráter colonial da nossa formação social e o aparato militar repressivo erigido durante a ditadura militar. Mesmo assim, tendo em vista essa não apenas neutralidade, mas até mesmo uma suposta posição favorável do Estado, caberia ao PSOL ocupar cada vez mais espaços na institucionalidade, incluindo espaços eletivos e de gestão pública, visando uma melhora paulatina da correlação de forças e também das condições de vida da classe até o socialismo. 


Tal compreensão ignora que o Estado formado em um país economicamente dependente, de origem colonialista e escravocrata não produziu somente um robusto aparato repressivo, mas também uma institucionalidade voltada para a centralização e captura de posições divergentes. Ao ignorar isso, aqueles setores acabam por reproduzir acriticamente a conhecida teoria da pinça - o partido teria um pé dentro e um fora da institucionalidade - e uma postura essencialmente reformista. É preciso fazer um balanço dessas posições. No caso da teoria da pinça, na prática vivida pelo PT, por exemplo, aquela dupla posição nunca foi equilibrada. As lutas sociais acabaram sendo submetidas aos interesses de reprodução de mandatos parlamentares e outros espaços bastante atrelados ao aparato estatal, tornando-se a antessala para o projeto de conciliação de classes que pauta o petismo e a esquerda oficialista brasileira, em geral. Esses elementos foram agravados com as mudanças institucionais produzidas a partir do golpe de 2016, em especial a partir de mecanismos como emendas parlamentares e fundo partidário milionários. Ambos pensados como instrumentos de congelamento das correlações de força dos parlamentos e das direções partidárias e cujos impactos na reprodução de mandatos e na burocratização já são sentidos nas eleições, vide a correlação direta entre montante de emendas investidos e taxas locais de reeleição nas eleições de 2024, e no nosso próprio partido.


Apresentamos um destaque unificado com a oposição sobre o tema, defendido em plenário  pela Insurgência Reconstrução Democrática e pelo MES. Na defesa da emenda, esses setores trataram, em primeiro lugar, da caracterização histórica feita na tradição marxista sobre o caráter classista do Estado. Já no Manifesto Comunista, vale lembrar, consta que a burguesia “conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O governo moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa”. É claro que muitas contradições permeiam o Estado e batalhamos para explorá-las a nosso favor,  nas lutas cotidianas por direitos, dentro e fora dos parlamentos. Mas é um equívoco não reconhecer seu papel fundamental e seus mecanismos de produção de hegemonia, que incluem formas de captura das organizações políticas. 


Essa polêmica não é nova. Ela pauta os debates no nosso campo socialista historicamente. Foi em resposta a ela que Rosa Luxemburgo escreveu o clássico “Reforma ou Revolução”. A crítica era exatamente contra a atitude empirista dos setores mais conservadores do Partido Social-Democrata da Alemanha, defensores de um revisionismo que acabou abafando as possibilidades revolucionárias naquele contexto. A resposta de Rosa não é uma negação da necessidade de conquistas imediatas, mas uma compreensão de que elas só seriam integralmente alcançadas no socialismo. Afinal, fora dele não é possível uma democracia substantiva. É no mesmo sentido que Trotsky desenvolveu o programa de transição, que reivindicamos, e lutou contra a burocratização na União Soviética.


O que essas experiências e discussões ensinam é que se afirmar anticapitalista não é suficiente para nos proteger e avançar. Nós não apenas ocupamos os espaços de poder, somos disputados por eles. É por isso que a melhor tradição socialista alerta sobre os riscos de uma visão que opõe reforma e revolução e foca sua estratégia na ocupação de nacos de poder. Também não é razoável, como ocorreu no debate programático do PSOL, a contraposição falaciosa entre querer ou não disputar o poder. A experiência da estratégia da pinça e, inclusive, os problemas que já temos vivenciado no PSOL remetem a essa questão. Contra a captura institucional, urge termos um programa e uma prática nítidos, bem como mecanismos que nos protejam de imediato, como o reforço do funcionamento coletivo de bancadas, o aprofundamento da democracia interna e de práticas de transparência, entre outras ações. Por isso, em vez de abafar a discussão, é fundamental a  realização de amplo debate interno sobre critérios e usos de fundos eleitorais e emendas parlamentares.


É por isso que, ainda que o texto não seja conjuntural, o olhar sobre a experiência da esquerda brasileira organizada em torno do petismo poderia estar mais presente, especialmente naquilo que sinaliza de programa. Além da estratégia da conciliação de classes, vemos crescer, em nome da chamada governabilidade, a assunção de pautas regressivas e que vão de encontro a possíveis saídas à esquerda na garantia de mais direitos e investimento público para políticas sociais, como as políticas de austeridade, corte de investimentos sociais e agenda de privatizações. 


O acúmulo histórico dos marxistas revolucionários no Brasil sobre os governos petistas aponta para uma crítica contundente à conciliação de classes promovida especialmente ao longo do século XXI. O caminho de composição de governo com frações importantes da burguesia e seus partidos, apesar de ter proporcionado, durante um tempo, vitórias pontuais importantes para a classe trabalhadora, manteve, em linhas gerais, uma orientação econômica ora neodesenvolvimentista ora neoliberal, sendo esta segunda com bastante força no atual governo Lula, apesar do programa eleito nas urnas ter apontado para uma política muito mais progressiva (por exemplo, tiveram centralidade nas eleições de 2022 a crítica ao teto de gastos e à reforma trabalhista, políticas que não foram revistas). 


Em nome do “combate à extrema direita”, parte do PSOL parece caminhar para uma adaptação pouco crítica ao lulismo. Ora, obviamente o elemento central que unifica a grande parte da esquerda brasileira é a luta contra o neofascismo. Nós também afirmamos essa centralidade na atual conjuntura internacional. Todavia, o fundamental está em saber qual a melhor tática para fazer esse confronto. Um caminho à esquerda é necessário e, como as últimas semanas mostram, favorável ao próprio governo. Afinal, em meio à crise que vivemos, a população reivindica políticas que enfrentem privilégios e garantam direitos. A saída, uma vez mais, é pela esquerda. E o PSOL pode e deve cumprir um papel fundamental ao pressionar o governo e, especialmente, mobilizar a sociedade nesse sentido. O que vimos na conferência é que há espaço para isso. 


Cabe a nós atuar para que o partido cumpra seu papel histórico de afirmar o ecossocialismo, construir e se somar às lutas imediatas e que apontam para uma nova sociedade. Que os próximos vinte anos sejam de lutas e conquistas!


Insurgência Reconstrução Democrática e Rebelião Ecossocialista

 
 
 
  • Foto do escritor: Insurgência Reconstrução Democrática
    Insurgência Reconstrução Democrática
  • 4 de jul.
  • 8 min de leitura
ree

Desde o crash financeiro de 2008 e a recessão global que se seguiu, o mundo viu o aprofundamento da crise com o neoliberalismo e a especulação financeira explodir bolhas. Ao mesmo tempo em que políticas de austeridade levaram à redução do orçamento público voltado à garantia de direitos. 


O desenvolvimento tecnológico guiado pela dinâmica do capital reduziu ou precarizou postos de trabalho estáveis e viabilizou novas formas de manipulação. A crise ambiental agrava-se a cada dia, a despeito dos riscos evidentes que traz para a própria vida no planeta, evidenciando os limites de um sistema que se move exclusivamente atrás do lucro. A pandemia do novo coronavírus aguçou tais problemas, que afetam desigualmente a população. 


Neste quadro adverso, a extrema direita, ainda que sirva ao sistema hegemônico, apresentou-se como saída (brutal para as maiorias sociais). As potências imperialistas intensificaram a disputa por territórios, como a guerra na Ucrânia, desencadeada pela agressão da Rússia de Putin e utilizada para reviver a Otan e ampliar a militarização da Europa. Na África, a disputa por riquezas minerais utilizadas pelas maiores empresas de tecnologia do mundo intensifica conflitos, como o vivido na República Democrática do Congo. Entretanto, o que se passa no Oriente Médio – especialmente o genocídio em curso na Palestina – desperta um horror especial. Depois de 8 décadas de colonialismo, o Estado sionista de Israel, construído a partir da expulsão da maior parte de palestinos de seu território e que impõe um regime de apartheid, tem mostrado sua incompatibilidade com qualquer ideia de respeito à dignidade e à vida humanas.  O apoio irrestrito do imperialismo “ocidental”, especialmente dos EUA, para o qual Israel serve como base militar na região, tem servido como autorização para uma “limpeza étnica” que o mundo assiste em tempo real. 


Tal quadro atualiza o dilema “socialismo ou barbárie” que, mais que um diagnóstico, deve nos levar à ação revolucionária. A esquerda, em suas diversas expressões, não deixou de lutar, mas tem encontrado dificuldades para se fortalecer e apresentar um programa social renovado e mobilizador, capaz de oferecer respostas a esse conjunto de crises. 


No Brasil, a extrema direita conseguiu se estruturar a partir da enorme hegemonia do agronegócio, do fundamentalismo religioso, do populismo penal e também da ação do judiciário e da mídia em torno do problema da corrupção, contando, ademais, com as plataformas digitais controladas por grandes grupos capitalistas para se projetar.


O campo progressista, atacado pelo andar de cima e atravessado pela fragmentação do mundo do trabalho e pelos limites programáticos impostos pela estratégia de conciliação petista, não apostou na mobilização social e nem sequer em uma agenda de reformas, tornando-se, no máximo - o que é fundamental, porém limitado - anteparo institucional contra o avanço da extrema direita. Nesse mesmo período, a esquerda socialista não conseguiu reverter o processo de fragmentação organizativa da classe, com suas próprias organizações políticas se dividindo, ao mesmo tempo em que se viu inundada por recursos financeiros, fundos eleitorais e emendas parlamentares, cristalizando estruturas de poder burocráticas desmobilizantes.


Diante de todos estes desafios, acreditamos que devemos partir do patrimônio teórico político acumulado pela IV Internacional, tanto no plano nacional, como  internacional, com destaque para o Manifesto por uma Revolução Ecossocialista, aprovado no Congresso Mundial deste ano. 


Em nosso país, há várias organizações que se identificam com este acúmulo, mas acreditamos que nenhuma delas, hoje, pode ser considerada capaz de se constituir no eixo de reorganização da seção brasileira da Internacional. A organização que será capaz de cumprir este papel terá de ser construída a partir da experiência de várias organizações, num plano de igualdade de toda a militância que se comprometer com este projeto.


Para enfrentar a extrema direita; resistir à fragmentação, à burocratização e à perda da autonomia; e avançar na formulação e na disputa de um projeto de sociedade revolucionário, este manifesto conclama coletivos e militantes que se referenciam na IV Internacional, como também aquelas/aqueles que concordam com as seguintes tarefas e perspectivas, a construir uma nova organização ecossocialista:


1. Entendemos ser fundamental uma organização que anime e apoie as mais diversas frentes de luta que expressam as contradições do sistema capitalista em relação aos seres humanos e à natureza, tendo como orientação a compreensão da urgência da superação do modo capitalista de produção e a estratégia ecossocialista. Tem destaque especial hoje nosso apoio à luta do povo palestino e a defesa de uma Palestina plenamente democrática, com igualdade para todas e todos que vivem nela, do Rio ao Mar. O que está em jogo na Palestina não é apenas uma questão humanitária ou uma questão política importante: é a configuração das condições internacionais de luta nos próximos anos.


2. Uma organização que aposte na mobilização como método de enfrentamento e reversão da hegemonia da extrema direita, em todo o mundo. Que reconheça a centralidade e a diversidade dos sujeitos em contradição com o capital para a transformação social, buscando, nesse sentido, mobilizar e/ou se somar às mobilizações da classe trabalhadora, das mulheres, cis e trans, de negros e negras, de indígenas, de povos e comunidades tradicionais, da população LGBTQIAPN+ e PCD, das juventudes e outros grupos sociais - com especial atenção às novas formas de organização do trabalho, como precarizados e plataformizados e aos servidores públicos.


3. Entendemos que o maior desafio da esquerda socialista hoje é dar saltos organizativos e criar novas ferramentas para a organização da classe, o que passa também pela compreensão da importância da cultura e da comunicação como espaços de formação da nossa identidade coletiva e de mobilização. Uma esquerda que viva uma cultura política que resgate os valores socialistas, valorize a troca de saberes, que supere estruturas de micropoder, em que o cuidado e o companheirismo sejam sempre estimulados, mesmo na divergência.


4. Quanto à participação da militância revolucionária no interior de partidos anticapitalistas amplos como o PSOL, entendemos que nossa tarefa central é atuar para que o partido sempre amplie sua vida orgânica, mantenha espaços democráticos, debata e incorpore um programa de transição ecossocialista. Ou seja, mantenha-se como uma organização viva e em disputa, não ossificada por hegemonismos e maiorias artificiais. Serão esses objetivos que guiarão a política de alianças da futura organização no interior do PSOL.


5. A autonomia do PSOL, nesse contexto, deve ser protegida dos assédios advindos da estratégia de conciliação de classes petista e, também, do aparato de Estado, como das emendas e dos fundos eleitorais. É essa autonomia da esquerda radical que dará garantias de que o partido seja instrumento de defesa das propostas progressistas assumidas nas eleições de 2022 pela candidatura de Lula.  É essa autonomia o que tem possibilitado posições críticas à política econômica atual, que contrai gastos sociais e fomenta o complexo agro-minero-industrial ecocida, às ameaças de exploração de petróleo na foz do Amazonas e em muitos outros temas, como segurança pública e política de comunicação. Ao mesmo tempo permite a defesa de posições progressistas tomadas pelo governo, como a denúncia internacional ao genocídio em Gaza e a proposta de isenção de Imposto de Renda de quem recebe até R$ 5.000,00 vinculada ao aumento da tributação dos mais ricos.


6. É fundamental ter em vista que a possível participação em uma frente eleitoral que comporta partidos burgueses e fisiológicos, devido à conjuntura de ameaça da extrema direita não deve levar o PSOL a se diluir programaticamente numa estratégia que entende a frente ampla como perene. Nessas situações, entendemos ser fundamental que o PSOL se apresente com perfil próprio e contribua para construir uma frente de esquerda.


7. É tarefa da esquerda radical empenhar esforços no combate central à extrema direita. Para tanto, é necessário estruturar uma unidade ampla contra o neofascismo, pautada na unidade para a ação e nos interesses da classe trabalhadora. Isso significa que, nas lutas em torno das liberdades democráticas, buscaremos construir alianças, mas sem abandonar a centralidade da classe trabalhadora para unificar nossas lutas, portanto sem abandonar as demandas dos explorados e das oprimidas.


Esse manifesto é a base inicial de um diálogo que acontecerá nos próximos meses, e para o qual convidamos a militância ecossocialista e a referenciada na IV Internacional. A convergência de setores e militantes demanda a construção de sínteses que expressarão as bases de uma nova organização ecossocialista.


Como escreveram Marx e Engels no Manifesto Comunista, “Tudo o que era sólido e estável se desmancha no ar. Tudo o que era sagrado é profanado, e os homens [e mulheres!] são obrigados, enfim, a ver suas condições de existência e suas relações recíprocas com olhos desencantados”. O tempo em que vivemos, permeado por tantas agruras, reproduz tal diagnóstico. Diante desse quadro, afastemos a desesperança. Encontremos fortalecimento e sentido na vida coletiva. Nunca foi tão importante se organizar!!


Que venha uma nova e potente organização ecossocialista!!



Conheça algumas das pessoas que já estão nesta construção:


Ademar Lourenço (Distrito Federal) - Jornalista

Afrânio Castelo (Ceará) - Diretório Estadual do PSOL 

Agnes Viana (Mato Grosso do Sul) - Coordenação Nacional da Juventude IRD

Ailton Lopes (Ceará)  – 1º Suplente de Vereador PSOL Fortaleza

Aisha Capanema (Minas Gerais) - Coordenação Nacional da Juventude IRD

Alcebiades (Bid) (Rio de Janeiro) - Ex-Bureau IV Internacional  

Aline Cristina Mello Til (Rio Grande do Sul) - Mestranda em Agronomia (UFPel) e Movimento de Agroecologia

Allan Coelho (São Paulo) -  Professor de filosofia

Ana Carolina Andrade (São Paulo) - Jornalista, CI da IV Internacional

Ana Clara Souza (Rio de Janeiro) – Diretora de Movimentos Sociais da UNE

Ana Lia  Galvão (São Paulo) – Coordenação Nacional do Ecoar

Antonio Mota Filho (São Paulo) - Professor universitário

Arthur Moreira (Espírito Santo) - Bancário

Bruna Jacob (Bahia) - Ex-diretora da UNE e Coordenação Nacional de Juventude da IRD

Bruno Nascimento (Paraná) - DCE da UFPR

Camila Viviane (Paraná)  - Diretório Municipal do PSOL Foz Iguaçu (PR)

Carla Benitez (Bahia) - Professora da Unilab, diretora eleita do ANDES-SN

Cecília Feitosa (Ceará) -  Militante ecossocialista, Ex-Presidenta do PSOL estadual

Cheron Moretti (Rio Grande do Sul) -  Militante feminista, educadora popular e professora universitária

Dodora (Rio de Janeiro) - Dirigente do Sindicato dos Profissionais de Educação 

Eduardo d’Albergaria (Distrito Federal/Bahia) - Servidor público, CI da IV Internacional

Elidio Alexandre Borges Marques - (Rio de Janeiro) - Professor da UFRJ

Evelyn Silva (Rio de Janeiro) - Executiva estadual do PSOL

Fernanda Banyan (São Paulo) - Marcha pelo Clima

Fernanda Malafatti (São Paulo) - Professora da rede municipal de São Paulo

Gabe Moreira (Rio de Janeiro)  – Executiva do DCE da UFF

Gabriel Augusto  (Pernambuco) – Dirigente da CSP-Conlutas

Gustavo Seferian (Minas Gerais) -  Professor da UFMG, presidente do ANDES-SN

Helena Martins (Ceará) - Professora da UFC, jornalista, Diretora eleita do ANDES-SN

Isadora Salomão (Bahia) - Executiva estadual do PSOL, Dirigente do Movimento Negro Unificado/MNU 

Jamila Bonfá (Espírito Santo)  - Presidenta do Conselho Municipal de Saúde de Cariacica

Jessica Rebouças (Ceará) - Executiva estadual do PSOL

João Machado (São Paulo) - Bureau da IV Internacional

Juan Leal (Rio de Janeiro) - Presidente municipal PSOL carioca

Leninha (Rio de Janeiro) - Dirigente do Movimento Negro Unificado/MNU 

Leonardo Amatuzzi (Rio de Janeiro) – Conselheiro Tutelar

Luciana Miranda (Rio de Janeiro) -- Diretório PSOL Valença

Marcelo Lima (Ceará) – Diretório Nacional do PSOL

Mario Barreto (Rio de Janeiro) - Diretório Nacional do PSOL

Mauricio Gonçalves   (Pernambuco) – Professor do IFPE

Mateus Albuquerque (Paraná) - Cientista Político e Fazedor da Rede Curitiba Climática (RECC)

Milena Gomes (Pernambuco) - Professora da Rede Estadual de Educação

Natália Proença (Rio de Janeiro) - Coordenação Nacional de Juventude - IRD

Paula Marchon  (Rio de Janeiro) - Ex-coordenadora do DCE da UFF

Renato Roseno (Ceará) - Deputado Estadual PSOL 

Ronaldo Bragança (São Paulo) -  Diretório Estadual do PSOL 

Salada (Rio de Janeiro) -- Dirigente do Movimento Negro Unificado/MNU

Sergio Augusto Belerique (Rio de Janeiro) – Executiva PSOL Rio de Janeiro

Talita Victor (Distrito Federal) - 1ª suplente Deputada Distrital 

Tayse Palilot (Bahia) - Militante ecossocialista, professora da UFOB

Tessie Reis (Ceará) - Professora,  Diretório Estadual do PSOL

Thiago Jerohan (Pernambuco) - Conselheire Estadual de Saúde e de Direitos da População LGBTQIAPN+

Tiago Nicolini (São Paulo) – Dirigente da FNP

Veraci Alimandro (Rio de Janeiro) - Diretório PSOL carioca

Wilton Porciúncula (Rio de Janeiro) - Dirigente do Sindicato de Professores SEPE


Essas são assinaturas representativas dos setores e de militantes que ora iniciam esse processo de construção. 


Quer construir esse processo com a gente? Responda o formulário que entramos em contato: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSd7Q98ZXYdxgnEVrwD-gXY8H-kb_mt6Ppq-OfuIXTM4ajgGzA/viewform?embedded=true


______________________________________________________


“Como seria a condição humana se não houvesse militantes?

Não porque os militantes sejam perfeitos, porque tenham sempre a razão, porque sejam super-homens e não se equivoquem. Não é isso.

É que os militantes não vêm para buscar o seu, vêm entregar a alma por um punhado de sonhos.

Ao fim e ao cabo, o progresso da condição humana depende fundamentalmente de que exista gente que se sinta feliz em gastar sua vida a serviço do progresso humano.

Ser militante não é carregar uma cruz de sacrifício.

É viver a glória interior de lutar pela liberdade em seu sentido transcendente”.


Pepe Mujica



 
 
 
bottom of page