- Insurgência Reconstrução Democrática
- 24 de set.
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A primavera do Hemisfério Sul começou um dia antes no Brasil. No domingo, 21 de setembro, cerca de cem cidades do país – entre as quais as grandes capitais São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre, Recife e Brasília – viram algo inédito nos últimos anos: o ativismo, a esquerda e os movimentos sociais nas ruas e praças, junto a um setor popular mais amplo, igualmente indignado com duas medidas votadas pela Câmara dos Deputados: a aprovação apressada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impediria investigações e punições de qualquer tipo a parlamentares durante seus mandatos – a “PEC da Bandidagem” - e a aprovação do regime de urgência da anistia aos envolvidos no golpe de 2022-2023.
A investida reacionária das direitas no Congresso foi uma resposta à condenação de Bolsonaro e sete cúmplices do núcleo central da trama golpista de 2022-2023, pelo Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro e seus auxiliares-cúmplices na intentona autoritária – que incluiu um plano para assassinar Lula, seu vice, Alckmin, e o magistrado Alexandre de Moraes – foram condenados a mais de década na prisão. O julgamento e o veredito foram festejados por governos democráticos, movimentos sociais e imprensa não fascista de várias partes do mundo. Mas no terreno doméstico, os neofascistas não ficaram parados.
A extrema direita fez um acordo com a direita oligárquica tradicional reunida no Centrão para aprovação das duas medidas, garantindo um placar aproximado de 350 em 513 parlamentares.
Vantagem frente às manifestações da extrema direita
Os atos de São Paulo e do Rio foram os mais fortes desde as mobilizações pelo Fora Bolsonaro, entre 2021 e 2022, e da concentração de festejo da vitória de Lula na Paulista, em outubro de 2022.
Uma contabilidade extremamente cuidadosa aponta para a participação de mais de 600 mil pessoas nos atos – número que pode aumentar à medida que sejam contados os manifestantes em cidades do interior de estados populosos como São Paulo e Minas Gerais. Na comparação com os atos da extrema direita (o “bolsonarismo”) realizados dia 7 de setembro – para defender a anistia –, os protestos democráticos de domingo levaram ampla vantagem, numérica e de qualidade.
Convocados em menos de uma semana por uma “coalizão” de fato entre artistas progressistas e movimentos sociais – centrais sindicais, sindicatos independentes, movimentos de sem-teto, movimento negro –, depois de uma explosão de indignação nas redes sociais e um posicionamento contundente das principais mídias empresariais, os atos foram mais nacionalmente generalizados. As organizações que convocaram tiveram em seguida a adesão de partidos de esquerda (PSOL, PCdoB, PT, UP), nem tão de esquerda (PDT, PSB) e muita gente de camadas populares.
Apesar de uma participação ainda tímida da juventude, a marca desses atos foi um perfil mais alegre e cultural! Uma necessidade para que sejam agregadores e politizadores. Ainda que o mote fossem as duas votações, se viu nas manifestações apoio à agendas positivas como o fim da escala 6 x1, a taxação dos super ricos e a isenção de IR para quem ganha até 5 salários mínimos.
A onda de protestos marcou uma inflexão na disputa política central no país, da esquerda ampla contra o neofascismo. Ainda com importante e ameaçadora base de massas, a extrema direita brasileira vinha se valendo, desde agosto, de uma aliança explícita, sem nenhum escrúpulo de dignidade, com o governo dos EUA, para conquistar à força a anistia com a qual pretendem livrar Bolsonaro e seus amigos militares e ex-subordinados civis da prisão.
No ato de 7 de setembro em São Paulo, a extrema direita chegou a estender na avenida uma bandeira estadunidense de 20 metros de comprimento. Enquanto nos Estados Unidos, o deputado Eduardo Bolsonaro fazia abertas gestões com a Casa Branca para incrementar as sanções contra o país e os juízes do processo contra os golpistas, na Câmara de Deputados, na semana passada, os neofascistas concentraram esforços em negociar com o líder direitista da casa, Hugo Motta, a tramitação rápida da anistia. Nessa negociação, os partidários de Bolsonaro valeram-se de um interesse comum com o “Centrão” (proteger-se de processos do STF em casos de mal-uso do dinheiro do orçamento destinado a deputados) para parir a malfadada PEC da Bandidagem.
Calcularam mal. Se da briga “condenação de golpistas versus anistia” participavam mais diretamente o governo e sua base, outros partidos de esquerda e seu eleitorado, a ameaça de impunidade total para os “políticos” indignou e incendiou a raiva de camadas mais amplas da população. Num balanço conciso do domingo pré-primavera, a comentarista da rede Globo, Andrea Sadi, analisou: “As manifestações de domingo (21) contra a PEC que blinda parlamentares de processos e a anistia deixaram a Câmara dos Deputados exposta. Os atos foram uma resposta à aprovação da PEC da Blindagem e da urgência do projeto de lei da anistia.”
Primeiros resultados
Além de terem mostrado ser possível “furar a bolha” do campo democrático e atrair o povo para a rua, os atos também tiveram, segundo outros comentaristas da imprensa corporativa, duas conquistas simbólicas importantes na história recente do país polarizado. Com “ajuda” do ataque imperialista de Trump contra a economia e a soberania política do país, a esquerda recuperou para a luta (pelo menos por ora) a bandeira brasileira, há mais de dez anos mal utilizada pelos seguidores de Bolsonaro. Ao mesmo tempo, foi a primeira vez desde 2013 que a indignação anticorrupção no aparelho do estado foi capitaneada pelo movimento de massas progressista.
O resultado concreto da jornada dominical foi o sepultamento da PEC da Bandidagem no Senado, as promessas do presidente do Senado de que vai dificultar a tramitação da anistia e a tramitação da isenção de IR. Para além disso, recuperou-se o ânimo do ativismo e o PSOL também se legitima ao ser um dos poucos partidos que votaram 100% contra a proposta - 12 deputados do PT votaram a favor, demonstrando os limites das políticas de conciliação e adaptação que perpassam o partido.
Nada disso – a não ser o ânimo renovado para continuar lutando – garante que Bolsonaro cumprirá a pena de mais de 27 anos de prisão, nem que a ofensiva dos corruptos reais e potenciais seja derrubada de fato. Se tomarmos de conjunto o último período desde a eleição de Lula contra Bolsonaro, o movimento social e a esquerda conseguiram um empate importante nas ruas e têm todas as condições de virar o jogo. Mas a luta será dura: a extrema direita conta não somente com o governo do país mais poderoso do mundo tomando medidas consecutivas contra o Brasil, o governo e o Judiciário brasileiro, mas também com uma carta eleitoral nada desprezível na manga – um “Bolsonaro domesticado”, um neofascista de humor controlado, em pele de bom administrador, que é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
A situação exige que a mobilização de rua continue. O que é um desafio, já que, a princípio, essa pauta está enterrada e nenhuma outra tem a mesma adesão de setores da mídia empresarial, ainda que possam ter apelos de massa, como a escala 6x1, a isenção de Imposto de Renda até 5 mil e a tributação dos super ricos. E essa deve ser nossa aposta que hoje se materializa no Plebiscito Popular!
Outro desafio, é que essa posição mais à esquerda do governo, pautada pela extrema direita e o imperialismo, contraditoriamente se dá no mesmo contexto em que o petismo se repactua com setores da elite econômica, em especial a agrária exportadora.
A história demonstra que num contexto de arrefecimento da extrema direita, a estratégia conciliatória do petismo tende a ganhar força e comportamentos como o de parte da sua bancada votar pautas do centrão passará a ser cada vez mais constante, inclusive pelo executivo (a exploração de petróleo na margem equatorial, segue como uma ameaça concreta). Nesse sentido, é papel da esquerda radical, seguir resguardando sua autonomia - a possível ida de Boulos ao Ministério vai na contramão disso. Ao mesmo tempo que precisamos seguir na aposta das mobilizações de rua e na organização popular nas redes e territórios, para seguir derrotando a extrema direita e pautando o governo para reformas estruturantes. A defesa da soberania nacional ganha centralidade, mas para nós socialistas, é fundamental aproveitar a defesa de que o Brasil trilhe seu próprio caminho, para fazermos uma discussão de modelo de desenvolvimento, numa perspectiva ecossocialista.
Insurgência Reconstrução Democrática e Rebelião Ecossocialista






