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Entre o fio da navalha e os sonhos do futuro: quais são os desafios da juventude na construção da União Nacional dos Estudantes (UNE)?

  • Foto do escritor: Insurgência Reconstrução Democrática
    Insurgência Reconstrução Democrática
  • 7 de mar.
  • 9 min de leitura

O ano de 2025 desenha um cenário de ascensão alarmante da extrema-direita global, com o crescimento do conservadorismo e do autoritarismo como fendas para emergência do fascismo. A vitória de Trump nos Estados Unidos tensiona as forças da direita para a sua expressão mais austera para o mundo. A saída da OMS e o rompimento do Acordo de Paris, que se somam à ofensiva contra mulheres, pessoas LGBTQIAPN+, imigrantes e tantas outras, são apenas a ponta do iceberg do programa daqueles que, por trás, gerem as nossas realidades: bilionários como Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg e suas big techs, petroleiros, armamentistas e outros setores da grande burguesia. Junto à eleição de Trump, a vitória de Milei na Argentina e a derrota histórica da social-democracia na Alemanha refletem a reorganização da extrema-direita e a guinada política em direção ao autoritarismo, sinalizando a consolidação do projeto neoliberal em escala mundial, o que deve ser encarado em tom de alerta por toda a esquerda.


No Brasil, o bolsonarismo segue atuante, vivo e mobilizador, com influência significativa na sociedade e nas instituições. De igual modo, as contradições do governo Lula 3, que aposta equivocadamente na governabilidade conciliadora e na ausência de mobilização, seguem sendo uma corda ao nosso pescoço: seja pelo perdão de dívidas milionárias para os super-ricos e concessões ilimitadas ao agronegócio, seja pela austeridade fiscal penalizante à classe trabalhadora, são nítidos os acenos do atual governo aos setores econômicos do andar de cima e, portanto, seu distanciamento frente ao projeto eleito nas urnas que nós, esquerda radical, defendemos. Seus limites tornam-se ainda mais estreitos frente ao poder crescente do Congresso Nacional, essencialmente conservador, turbinado por emendas parlamentares. O Centrão que o comanda carrega, na verdade, o programa da extrema-direita e com ela flerta, como ficou visível nas últimas eleições.

        

Neste cenário de múltiplas crises, vivemos, pois, a pouca iniciativa para reverter retrocessos dos governos anteriores como a reforma trabalhista e o aprofundamento da uberização do trabalho. Enquanto o mundo desmorona ao nosso redor, o discurso liberal - que encontra nas redes sociais privilegiado impulsionador - oculta as reais motivações de tais fissuras, introjetando uma sensação de impotência, que nos faz acreditar que sucesso ou fracasso são responsabilidades individuais. As grandes potências imperialistas sempre financiaram guerras e desestabilizaram economias para garantir sua dominação; hoje, valem-se também da tecnologia da informação para controlar nossa realidade, criando mundos paralelos que distorcem nossa percepção da realidade.


Simultaneamente, enfrentamos uma emergência climática sem precedentes, cujos desdobramentos se diferenciam a partir de recortes de classe, gênero e raça, vitimizando, especialmente, as populações pobres e periféricas. A COP 30, que será sediada no Brasil neste ano, trará ao centro do debate as mudanças do clima e o financiamento de ações para enfrentá-las. Desde já, cabe refletirmos e respondermos aos impasses que nos cercam, entre eles as divergências do governo federal e de setores ambientalistas quanto ao papel da Amazônia na produção energética do país. Como ecossocialistas, nos guiamos pela premissa de que  não há conciliação possível entre a preservação ambiental e a lógica de exploração desenfreada e, por  isso, defendemos uma transição energética justa - que respeite os territórios, os povos e as comunidades tradicionais -, e o decrescimento econômico das grandes potências - visto serem as principais responsáveis pela crise climática.


Diante da atual conjuntura no Brasil e no mundo, cabe às esquerdas se respaldarem, de forma estratégica, no enfrentamento da extrema-direita e no reconhecimento da gravidade das crises econômica, política, climática e ecológica, apresentando soluções concretas para os problemas da classe trabalhadora. Nesse sentido, é fundamental apostar no fortalecimento das mobilizações sociais. A demanda da conjuntura é intransigente: não podemos nos restringir ao formalismo da democracia liberal, pois o capitalismo, com sua lógica de acumulação de riqueza, perpetua os privilégios dos super-ricos, enquanto as camadas populares enfrentam um cotidiano marcado por preços elevados de alimentos essenciais, empregos precarizados, aumento insuficiente do salário mínimo e um acesso limitado à saúde pública, educação de qualidade e outros serviços básicos, todos comprometidos pela imposição do teto de gastos.


É urgente adotar medidas que solavanquem as causas estruturais da exploração e da desigualdade. Não podemos permitir que a extrema-direita seja a protagonista das respostas a esses desafios e conduza a narrativa deste debate. A reorganização das lutas pela redução da jornada de trabalho, com o fim da escala 6X1, é um exemplo de proposta necessária para o retorno do diálogo das esquerdas com a classe trabalhadora. Se a direita mobiliza a partir de mentiras e inseguranças, devemos articular a população com pautas concretas de melhoria da qualidade de vida, como uma reforma agrária agroecológica capaz de tirar do agronegócio o poder de encarecer e envenenar a comida que chega aos nossos pratos. 


Para viver sem medo, é necessário acreditar no mistério da persistência humana — como afirma Galeano —, essa força inexplicável que nos faz continuar lutando por um mundo que seja casa de todos, e não o inferno da maioria. É preciso politizar o tempo, buscando, mesmo nesta difícil conjuntura, abrir espaço para a construção de outra sociedade.


Estamos vivendo no fio da navalha da história, um momento decisivo, cercado por múltiplas crises, desafios imensos e grandes responsabilidades para a classe trabalhadora e os movimentos populares. A história mostra que transformações reais nascem da mobilização coletiva. Por isso, agora, mais do que nunca, é tarefa das esquerdas revolucionárias continuar ocupando as ruas e fazer dela ferramenta para a subversão quotidiana!

 

  1. O papel da União Nacional dos Estudantes (UNE) diante da crise climática e a disputa por seus rumos

 

A União Nacional dos Estudantes (UNE) tem uma trajetória de luta e resistência que se entrelaça com a própria história das lutas sociais no Brasil. Fundada em 1937, a entidade nasceu do ímpeto coletivo de uma juventude disposta a se organizar para transformar a realidade, protagonizando importantes capítulos da história do país, como a criação da Petrobras, o combate à ditadura empresarial-civil-militar e a luta pela redemocratização. Sua atuação não se restringiu apenas ao campo político-institucional, mas também foi decisiva na consolidação da educação pública, gratuita e de qualidade e na democratização do acesso à cultura e à arte popular – apostando na transformação da realidade por meio do teatro, da poesia, da música e da educação popular.


Ao longo de seus 88 anos, a UNE se consolidou como uma trincheira fundamental de organização estudantil e de articulação entre as juventudes e os movimentos populares, contribuindo para a construção de projetos de sociedade que colocam o povo como sujeito coletivo capaz de transformar o país e que articulam educação, cultura, direitos humanos e soberania popular. A entidade esteve presente nas grandes jornadas de luta dos estudantes, como as campanhas contra a redução da maioridade penal, a luta pela conquista das cotas, a ocupação das universidades contra a PEC do Teto de Gastos, as mobilizações pelo Fora Cunha e a resistência contra os cortes na educação durante os governos Temer e Bolsonaro. Mais recentemente, cumpriu um papel importante na derrota eleitoral de Bolsonaro em 2022, colocando a força da juventude na disputa por um projeto de reconstrução democrática do país.


Em um contexto de crises múltiplas – política, social, econômica, ambiental e civilizatória – o papel da UNE permanece sendo estratégico para a mobilização e disputa política no Brasil. A entidade é a frente única mais antiga e enraizada no movimento estudantil brasileiro. No entanto, o peso da história não pode justificar a paralisia diante dos desafios do presente. Se o mundo atravessa uma crise civilizatória profunda, marcada pela emergência climática, pelo aprofundamento das desigualdades e pela ascensão da extrema direita global, a UNE precisa se colocar à altura dessas batalhas.


A emergência climática impõe à nossa geração a responsabilidade de reimaginar o papel da entidade e recolocá-la como ponta de lança na luta por justiça ambiental e contra o colapso ecológico. É inadmissível que o governo eleito com o trabalho da juventude aceite a exploração de petróleo na Amazônia ou repita o modelo desenvolvimentista que devasta territórios, envenena rios e destrói modos de vida em nome do lucro. A defesa da vida, da Amazônia e dos povos que a protegem deve ser prioridade absoluta, lutando contra a especulação imobiliária e seu impacto em territórios tradicionais e nas áreas verdes das grandes cidades. Não há futuro possível se não enfrentarmos as causas estruturais da crise climática e a lógica predatória do capitalismo.


A UNE que queremos é aquela que enfrenta o desenvolvimentismo predatório, que denuncia os acordos inescrupulosos entre governos e grandes corporações, que defende a redução da jornada de trabalho e o decrescimento econômico das grandes potências. Uma UNE, portanto, que compreende que não há futuro possível sem justiça climática, e que a disputa pelo presente precisa ser feita com a urgência de quem sabe que a vida está em jogo.


O tempo histórico que atravessamos exige mais do que a defesa de direitos conquistados: exige a coragem de disputar novos horizontes para a nossa geração e de apontar para uma sociedade onde a vida valha mais do que o lucro. A UNE tem todas as condições para cumprir esse papel – mas para isso precisa romper com a lógica de conciliação e voltar a ocupar as ruas, as universidades e os corações da juventude que sonha e luta por um outro mundo possível.


As contradições que permeiam os rumos da UNE refletem também em suas disputas internas. A pluralidade e a diversidade das juventudes brasileiras se expressam nos diferentes projetos políticos que coexistem na entidade. No entanto, a hegemonia de décadas do grupo majoritário – liderado por PCdoB, PT e aliados – tem resultado no sufocamento de divergências e na falta de articulação e mobilização concreta nos últimos dois anos. Embora tenham havido avanços pontuais, como a inclusão da independência política na resolução do 59º CONUNE e a crítica ao pacote econômico do governo federal, pela falta de mobilização efetiva, tais compromissos ainda não se traduziram em ação.


A greve universitária de 2024 evidenciou essa contradição. A ausência de uma mobilização de peso da UNE para organizar a luta e o posicionamento de setores majoritários contra a greve demonstraram uma desconexão com as bases estudantis. Não há unidade real quando divergências são reprimidas e quando a entidade se distancia das necessidades da classe trabalhadora e da juventude.


Alguns setores insistem na conciliação de classes e em um desenvolvimentismo que ignora os impactos sociais e ambientais da exploração da natureza. Essas propostas não enfrentam as estruturas de desigualdade e perpetuam um modelo colonial e excludente. Podemos construir alianças táticas em pautas comuns, como a luta contra a extrema direita, mas sem ilusões: a transformação radical da sociedade exige um movimento estudantil independente, combativo e comprometido com mudanças estruturais. 


Ou seja, a UNE precisa resgatar seu papel histórico de organização da luta estudantil e popular, fortalecendo a mobilização nas universidades e nas ruas. Diante da crise climática, da precarização da educação e do avanço da extrema direita, não há tempo para hesitação. O futuro depende da capacidade de organização da juventude, e a UNE tem o dever de ser parte desse processo – não como espectadora, mas como protagonista.

 

  1. Sobre a Juventude Sem Medo e suas tarefas:

 

A Juventude Sem Medo surge da confluência de diversas juventudes a partir da plataforma Vamos! e da construção da candidatura de Guilherme Boulos (MTST) e Sônia Guajajara (APIB), em 2018. Impulsionada pela Frente Povo Sem Medo, construímos um acúmulo programático que respondia aos desafios históricos do país, algo que não encontrávamos plenamente no campo majoritário nem em setores da oposição.


Por décadas, a UNE foi marcada por uma polarização entre a majoritária e a oposição de esquerda, muitas vezes esvaziada de debate e ações reais. Reconhecemos o papel histórico da oposição de esquerda diante dos governos do PT, mas é necessário refletir sobre seus erros. Esse campo adotou leituras equivocadas da conjuntura, métodos autoritários e práticas contraditórias - como o sufocamento de minorias -, refletindo uma cultura política violenta, stalinista e sectária. Essa crítica, no entanto, longe de se restringir à oposição de esquerda, se estende, em dada medida, à majoritária, que perpetua a lógica de poder a qualquer custo.


A Juventude Sem Medo nasce para romper com essas estruturas, trazendo uma nova cultura política ao movimento estudantil. Inspirados na educação popular, nas lutas antirracistas, ambientais e urbanas, buscamos construir um campo alternativo, que se comprometesse com a transformação radical da sociedade. Desde o CONUNE de 2019, inovamos ao lançar uma candidatura coletiva à diretoria da UNE, representando um projeto negro, feminista e LGBTQIAPN+. Durante a pandemia e os atos Fora Bolsonaro, priorizamos a unidade da esquerda para enfrentar a extrema direita, sem abrir mão do nosso programa político.


No entanto, as recentes movimentações da Juventude Sem Medo colocam em risco sua missão histórica. A aproximação de alguns coletivos da JSM com a UJS e o campo majoritário da UNE, apoiando resoluções que defendem o desenvolvimentismo e mascaram a inércia da entidade no último período, contradiz nosso compromisso ecossocialista e de independência em relação aos governos. As diferenças na UNE vão além da tática; são estratégicas. Esse movimento de adesão atende tanto a interesses internos do PSOL quanto à lógica de conciliação política do PT/PCdoB, enfraquecendo a autonomia da UNE em um momento de intensas contradições no governo e necessidade de mobilização social.


A JSM foi criada para disputar a política da UNE com independência, apostando na mobilização estudantil para barrar a extrema direita e fortalecer as lutas. No 16º CONEB da UNE, aprovamos um plebiscito popular pela redução da jornada de trabalho, contra a escala 6x1 e pela taxação dos super-ricos, defendendo, ainda, que a emergência climática deve ser o epicentro de nossos enfrentamentos. Mas, para que tais resoluções saiam do papel, a UNE precisa verdadeiramente organizar e mobilizar as juventudes, respaldando-se no entendimento de que nossa resistência deve se dar pela luta coletiva dos explorados e oprimidos.


Em meio ao aprofundamento das crises e da destruição dos nossos territórios, não há mais espaço para paralisia. Ou construímos uma alternativa radical, comprometida com uma nova forma de fazer política, ou ficaremos presos à ilusão do poder institucional, que nunca nos serviu. Por isso, reafirmamos nossa disposição para encontrar saídas coletivas, mas não podemos justificar uma possível adesão da JSM ao campo majoritário como algo positivo. Esse cenário seria um retrocesso e comprometeria a autonomia da Juventude Sem Medo como alternativa independente de governos e dedicada à organização estudantil. Chamamos à reflexão coletiva e seguimos militando na construção de caminhos que fortaleçam nosso programa político, sem nos render às ilusões do campo majoritário. É hora de sonhar mais alto!

 

 

Assinam esse texto:


Bruna Souza Jacob - Ex diretora da UNE (2017/2021)

Jessica Rebouças - Ex diretora da UNE (2019/2023)

(Ambas fazem parte da Coordenação Nacional de Juventude da Insurgência Reconstrução Democrática - Organização Interna do PSOL e da IV Internacional.)

 

 


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