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    Insurgência Reconstrução Democrática
  • 7 de nov. de 2024
  • 9 min de leitura

Em meio à derrota histórica da esquerda, as eleições mostraram as dificuldades de disputar a sociedade e a vitória de um programa reacionário. Urge organizar e mobilizar a sociedade, para além das eleições.


Encerradas as eleições municipais de 2024, com a realização do 2º turno no último fim de semana de outubro, é necessário identificar as dinâmicas e resultados dos grupos políticos e reconhecer, consequentemente, que a esquerda sofreu uma importante derrota eleitoral. A mídia hegemônica vem afirmando desde o fim do primeiro turno uma vitória do campo batizado de "centrão", alardeando que esse seria um prenúncio do fim da polarização que marcou o país no último período. Discordamos, pois, infelizmente, a esquerda saiu fragilizada e o bolsonarismo foi fortalecido com o pleito. A situação mostra os limites da política de conciliação e a necessidade de fortalecermos a esquerda para, cotidianamente, disputar corações e mentes.


A direita fisiológica e os instrumentos do golpe de 2016


O chamado "centrão" nada mais é do que a velha direita fisiológica brasileira, que sempre se estruturou em torno de uma posição de adesão ao governo de ocasião e de acesso a recursos públicos dos ministérios e emendas em troca de composição de maiorias parlamentares. Sendo assim, nunca representou uma posição de centro ideológico, muito menos no contexto da polarização entre a esquerda e o neofascismo bolsonarista. Pelo contrário, ao longo dos últimos 10 anos, tem expressado no debate público e incorporado em sua ação parlamentar o programa de sociedade do bolsonarismo, com sua vertente econômica ultraliberal expressado por figuras como Paulo Guedes. Assumindo organicamente pautas conservadoras que pronunciam a opressão de gênero, racista e LGBT, tem talvez na questão ambiental sua mais sintomática expressão: é esse corpo político hoje o mais significativo articulador da atuação do complexo agro-minero-industrial que promove incansavelmente suas ações ecocidas e que tem na disputa das políticas municipais a ponta de lança de sua intervenção na disputa de territórios e destinos da vida humana. Embora hoje grande parte desse campo componha o governo Lula, inclusive com a indicação de ministros, suas afinidades políticas os colocam mais próximos do bolsonarismo.


A vitória eleitoral desse campo, no entanto, não se deu por afirmação de elementos programáticos, o que sempre foge a suas características, mas pelo uso de dois instrumentos fortalecidos pelo golpismo de 2016, que transferiu grande parte do protagonismo da definição de políticas públicas para o parlamento: as emendas parlamentares e o fundo eleitoral. A eleição de 2024 foi marcada pelo uso indiscriminado dos mais de R$50 bilhões de emendas parlamentares, o que está associado à taxa de reeleição de 70%, em todo país. Nos municípios que mais receberam emendas, chegou-se a 98% o percentual de reeleição, índice inédito na democracia brasileira. Destacam-se, ainda, os estados de Alagoas e Roraima, onde todos os prefeitos se reelegeram. A centralidade dessas estruturas se torna mais nítida quando observamos que o crescimento desse campo não se deu nas urnas em si. Embora agora tenha 3.066 prefeituras (55% de todos os executivos do país), 366 prefeituras a mais que em 2020, quando o “centrão” detinha 2.700, deve ser observado que o seu crescimento se deu na janela partidária de abril deste ano, quando passou a somar 3.267 prefeituras. Essa corrida de prefeitos ao centro se explica justamente pelo controle destes partidos sobre as emendas parlamentares e o fundo eleitoral, que se afirmam nesse cenário como mecanismos de uso direto da máquina pública na disputa da correlação de forças.


O bolsonarismo segue sendo o campo mais dinâmico e mobilizado


O outro campo vitorioso foi justamente o bolsonarismo raiz, tendo o PL eleito 516 prefeituras, 172 a mais do que as 344 que detinha em janeiro de 2024. Embora esse número em si não impressione se comparado ao centrão, o PL foi o partido mais votado diretamente, com quase 16 milhões de votos, resultado de uma alta votação principalmente nos grandes centros urbanos e nas cidades com mais de 200 mil eleitores (cidades com segundo turno). Aliás, o PL foi o partido que mais disputou segundos turnos nesse pleito (10). Ainda que também tenha uma grande parcela das grandes superestruturas de emendas e o maior fundo eleitoral por partido, o fato é que seu crescimento se deu essencialmente nas urnas, demonstrando que segue sendo o principal mobilizador de votos e o campo mais dinâmico na atual conjuntura.


A realidade do resultado eleitoral comprova o que já era a avaliação do PSOL: o fenômeno bolsonarista não é algo pontual e circunscrito ao período que seguiu ao golpe de 2016, tampouco é dependente das estruturas de Estado que tiveram ao longo de 4 anos da presidência de Jair Bolsonaro. Trata-se de um fenômeno assentado nos aspectos mais retrógrados da sociedade brasileira, como o racismo estrutural, a cultura patriarcal e o aparato militar repressivo nunca desmontado após a redemocratização. Galvaniza esse campo através de um programa restritivo de direitos, ecocida e reacionário de sociedade junto a uma política ultraliberal que o permite se coesionar com outros setores de aspecto neofascista internacionalmente. Portanto, esse processo é pouco dependente da própria figura que dá nome ao fenômeno atual, como demonstrou a votação de Pablo Marçal, em São Paulo, que em larga medida antagonizou com a família Bolsonaro. Na verdade, é possível afirmar uma diversificação de porta-vozes desse campo ideológico, o que para eles é um elemento importante, tendo em vista a inelegibilidade do próprio Bolsonaro. O fato de apresentar candidaturas jovens e de ter apelo junto às juventudes e aos setores mais pauperizados são outros fatores que nos preocupam.


A magra derrota que impomos ao bolsonarismo em 2022, que se deu em meio aos desgastes causados pela pandemia e apesar do forte apelo popular de Lula, mostra sua dimensão com mais nitidez agora.


A governabilidade por conciliação é o prenúncio da derrota


A expectativa do conjunto da esquerda antes da eleição era de crescimento, seja por se estar à frente do governo federal, seja pelas disputas e divisões dentro do campo bolsonarista, o que levou a um subdimensionamento do peso eleitoral dele. Embora tenha ocorrido um tímido crescimento do número de prefeituras do PT e PSB frente ao resultado de 2020 (125 a mais), o saldo do período é de 106 prefeituras a menos do conjunto da esquerda em geral, que teve cerca de 2 milhões de votos a menos do que nas eleições anteriores. Ainda que o tema do controle do aparato de Estado e da capacidade de mobilização do bolsonarismo sejam os mais centrais para a derrota sofrida, outros dois elementos, sem dúvida, contribuíram para o resultado: o esvaziamento dos processos de mobilização, lutas e vitórias concretas do último biênio e a governabilidade por conciliação, que levou parte da esquerda a buscar frentes com o centrão em detrimento de frentes de esquerda.


Mesmo fortalecido com a vitória eleitoral de 2022 e com a derrota da tentativa de golpe de 8 de janeiro, o governo federal não se mostrou capaz de implementar os elementos centrais do programa eleito nas urnas. A tentativa de isolar o bolsonarismo, incorporando na política do governo os interesses do mercado e de setores do centrão, não só não conseguiu fragilizar o bolsonarismo, como teve os efeitos reversos de submissão às maiorias parlamentares do Congresso e de incorporação de um programa econômico liberal com o teto de gastos. Uma série de propostas voltadas à disputa ideológica da sociedade, como por meio da comunicação, da justiça ambiental, do respeito incondicional aos povos originários e tradicionais, da educação popular e da vinculação dos programas de distribuição de renda a uma política de formação, não saiu do papel. Manteve-se uma dinâmica de veto e, em alguns estados liderados pelo campo da esquerda, como Ceará e Piauí, até criminalização das mobilizações por direitos, como visto nas greves dos servidores públicos.


A mesma formulação de governabilidade pela conciliação se manifestou na tática eleitoral, onde o petismo priorizou a construção de frentes com o centrão em detrimento de composição de frentes de esquerda. Essa tática, justificada pela ideia de evitar o “mal maior” de vitórias bolsonaristas, provocou o rebaixamento programático, muitas vezes circunscrito a uma defesa abstrata da democracia, levando a derrotas nos dois turnos e ao próprio crescimento das candidaturas bolsonaristas, estas últimas com programa completo e nítido. Isso para não falar da própria composição das chapas lideradas pelos partidos de esquerda, mas que, na verdade, refletem grupos tradicionais de fora deste campo, como no caso de Recife e Fortaleza, uma dinâmica de transformação que devemos considerar.


No entanto, as razões das derrotas sofridas pela esquerda não se circunscrevem a erros de avaliação ou de tática eleitoral. Atravessamos um período de profundas transformações no mundo do trabalho, onde os processos dispersivos da classe trabalhadora iniciados com o período neoliberal se aprofundam, com a incorporação de novas tecnologias e o processo de plataformização, não dissociados de ferramentas das mais diversas de desmobilização e criminalização daqueles e daquelas que lutam. As ferramentas tradicionais de organização têm demonstrado, sobretudo para as frações assalariadas da classe, imensas debilidades em sua capacidade de incisão social e política ante essa nova realidade - exceção feita a alguns poucos segmentos do serviço público - e, tampouco, novas formas de organização da classe emergiram nesse último período. Os vínculos comunitários também têm sido fragilizados, cedendo espaço ao discurso do fundamentalismo religioso de caráter regressivo, individualista e conservador, fragilizando as organizações populares de bairros e favelas. Com a exceção do movimeno negro, do movimento feminista e indígena, e algumas poucas mobilizações grevistas de maior expressividade, foram poucas as iniciativas que pautaram o debate público e tiveram penetração de massas. Essas importantes mobilizações também padecem de um acúmulo organizativo e programático comuns, que leve a sínteses em torno de um novo projeto de sociedade. Além disso, as limitações impostas pela política de conciliação impedem que a esquerda seja mais incisiva nas mobilizações existentes, como ficou evidente na demora do governo em se posicionar junto ao movimento feminista contra o PL do estupro, isso quando não se coloca em oposição direta ao movimento, como no caso da greve nacional da educação. Vitórias eleitorais não serão alcançadas sem uma mobilização constante da sociedade - esse é um aprendizado histórico que deve voltar a pautar nossas ações, antes e nas eleições.


O lugar e o papel do PSOL nas eleições


O PSOL, que estava numa dinâmica de crescimento, acabou por estagnar e, em parte das grandes cidades, reduzir sua votação. Os números absolutos mostram uma queda de 88 vereadores eleitos em 2022 para 80 vereadores eleitos em 2024, com o principal sucesso eleitoral em cidades pequenas, o que salienta o balanço negativo do processo, uma vez que a prioridade eleitoral definida apontava para a ampliação das bancadas nas capitais e nas cidades de mais de 200 mil habitantes. Isso em um contexto de inédito aporte de recursos via fundos públicos. Embora a política do partido tenha sido a de buscar a composição de frentes de esquerda, na maioria dos casos isso foi frustrado pela busca do PT de arcos que incorporaram o centrão, o que levou, em alguns casos, ao apoio informal a essas chapas ou à incorporação de partidos estranhos à esquerda nas coligações de nossas candidaturas. 


Um problema encontrado foi como nossas candidaturas lidaram com as pressões conjunturais, uma vez que, embora a contraposição pública à política de ódio do neofascismo tenha se destacado em nossas candidaturas, os demais elementos característicos de nosso programa, em alguns cenários, cederam lugar à defesa genérica da democracia, à crítica à eficácia de gestões e à proposições pontuais sobre o dia a dia da classe. O abandono estético dos símbolos da esquerda pelo uso de outros mais palatáveis ao eleitorado conservador é mais um elemento que nos faz parecer “mais do mesmo”. Houve grande dificuldade em apresentar um projeto global de cidade que se contrapusesse tanto ao neofascismo quanto ao liberalismo, e diversos exemplos de recuo em pautas que foram muito fustigadas por esse campo, em especial as ligadas aos direitos humanos, a questão ecológica, segurança pública e a denúncia da guerra às drogas. Pressionados, também, por certo pragmatismo eleitoral, parte considerável de nossas campanhas adotou métodos de fazer campanhas muito mais próximas das campanhas tradicionais, com a mobilização contratada e a realização de grandes eventos ganhando mais espaço frente a iniciativas de relação com os movimentos ou territórios das cidades.


O resultado objetivo dessas opções táticas nos demonstra que não haverá atalho e nem saída fácil. Ainda que, nesse processo eleitoral, a esquerda tenha perdido a oportunidade de afirmar seu programa e seu campo político, de agora até 2026 as tarefas permanecem: a da defesa do governo Lula frente à extrema direita, a pressão pela concretização do programa vitorioso nas urnas em 2022 e a preparação de uma frente capaz de impedir uma vitória do neofascismo. Na complexa combinação dessas tarefas, nos próximos dois anos, o PSOL não deve se restringir, em sua atuação pública e nos parlamentos, aos limites impostos pela governabilidade por conciliação. Não cabe a nós, na busca por maior protagonismo no debate público ou de frentes eleitorais mais amplas, tentar assumir o papel de fiadores da frente em torno do governo Lula. Não se trata de estabelecer uma política do partido em diferenciação com a frente, em busca de um abstrato voto antissistema, mas de não permitir que o neofascismo seja o único setor em campo a disputar hegemonia de seu programa na sociedade brasileira, levando o terreno político cada vez mais para a direita, sem objeção.


Vivemos em um momento muito defensivo da classe, esvaziamento dos processos de luta e de crescimento do neofascismo, e nele os resultados eleitorais seguirão sendo limitados e não oferecerão respostas políticas à altura das necessidades da conjuntura. Por isso, é fundamental que coloquemos em primeiro plano a necessidade de construção de iniciativas unitárias, plurais e menos sectárias no dia a dia dos movimentos e nos processos de mobilização da classe, nos tornando mais permeáveis àqueles que concordam conosco, mas se encontram dispersos pela conjuntura. De imediato, algumas agendas dos movimentos sociais são espaços importantes para o fortalecimento das mobilizações unitárias, como a Cúpula dos Povos e a Marcha das Mulheres Negras, que ocorrerão em 2025 e que já contam com parcela da nossa militância engajada. O próprio PSOL só contribuirá com um processo mais amplo de reorganização da classe na medida em que, ativamente, se mantenha um partido plural e atrativo a uma série de lutadores, lutadoras e movimentos sociais. A conjuntura nos exige um partido mais unitário e, ao mesmo tempo, firme em seus princípios e consciente de seu papel histórico.


Editorial da Insurgência Reconstrução Democrática


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    Insurgência Reconstrução Democrática
  • 28 de jun. de 2024
  • 4 min de leitura

Por Bruna Jacob


O mês de junho é considerado mundialmente o mês que celebra o Orgulho LGBTQIAPN+. Dia 28 de junho comemora-se o dia internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, marcado pela revolta de Stonewall que aconteceu em 1969, na cidade de Nova Iorque nos Estados Unidos da América (EUA). Nessa data o bar que era um refúgio para pessoas que fogem ao padrão da hetero-cis-normatividade, foi invadido pela polícia local que fortemente reprimiu os protestos que pediam um basta na violência contra a comunidade LGBTQIAPN+. A repressão foi mais forte sobretudo aos corpos queers. Liderados por Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera - ambas pessoas trans - a comunidade em Nova Iorque naquela data pediu por mais direitos, o fim da repressão do Estado e consolidou ao longo da história essa data como um marco internacional na luta por direitos para a comunidade LGBTQIAPN+. 


Infelizmente ainda em 2024, precisamos lutar por direitos e contra a violência para essa comunidade tão violentada, criminalizada e morta pelo Estado e pela sociedade. O Brasil registrou 257 mortes violentas de pessoas LGBQIAPN+ em 2023 de acordo com levantamento realizado pelo Grupo Gay Bahia (GGB), a Organização Não Governamental (ONG) LGBT mais antiga da América Latina. Há mais de 40 anos o grupo coleta informações sobre mortes de pessoas da comunidade via pesquisa materiais na mídia, internet e informações de familiares dessas pessoas. Tendo em vista que não temos dados oficiais governamentais sobre essa questão, esse número pode e provavelmente é ainda maior que o apresentado pelo GGB. Esses dados coletados colocam o Brasil como um dos lugares mais perigosos no mundo para viver sendo uma pessoa LGBTQUIAPN+. 


Precisamos pensar um mundo possível em que as pessoas não sejam mortas e violentadas por conta da sua orientação sexual e identidade de gênero. Vestígios históricos nos mostram que em momentos de um passado não tão distante em várias civilizações africanas e indígenas, diversas orientações sexuais e expressões de gêneros eram vividas livremente nessas comunidades. Parafraseando o grande autor e pensador ingena Ailton Krenak: O Futuro é Ancestral. Povos não brancos, especificamente os mais ligados à mãe Terra, estão há tempos nos ensinando cosmovisões diversas e que conviver com a diversidade faz parte da vida coletiva e integrada com a Terra. 


A floresta é sinônimo de diversidade e cooperação mútua entre seres. Temos muito que aprender sobre caminhos possíveis de construções sociais sem violência, nossos passos vêm de longe e isso jamais podemos esquecer. É certo que no caso do Brasil a colonização europeia instituiu tempos de muita violência e esse processo ainda não acabou. Celebrar o nosso orgulho é celebrar também a memória de vários ancestrais que já se encantaram lutando por um mundo melhor e pelo direito de amar sem temer. É relembrar Tybira, originário do povo Tupinambá, e o primeiro caso de assassinato por LGBTQIAPN+Fobia que temos notícia no Brasil, em 1614, em São Luís, Maranhão. Tybira foi preso na boca de um canhão e executado pelos europeus acusado do crime de sodomia. 


Atualmente, vivemos a era da mobilidade humana, e é fato que muitas pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ estão em condição de migrantes e refugiados pelo mundo. É importante deixar explícito que povos já viviam nesses territórios antes deles serem fatiados, explorados, recheados de linhas imaginárias e fronteiras fortemente “protegidas” com armas e repressão violenta, para delimitar países. A exemplo dos Ticunas, povo indigena que vive no Brasil, Peru e Colômbia, inclusive antes de se tornarem esses países separando familiares, comunidades e territórios de identidade por meio de uma fronteira instituída ali pelo Estado. 


Migrar é um Direito Humano, bem como exercer sua orientação sexual e identidade de gênero livre de violência e de restrição de direitos por ser quem se é. Da mesma forma que ainda temos muito que avançar nas questões sobre os direitos migratórios, também temos muito para avançar no combate a violência de gênero e sexualidade. Em mais de 70 países é proibido ser LGBTQIAPN+ e em alguns deles a sentença pode ser de morte. Seja pelo estado, seja pelos civis aplicando seu ódio LGBTQIAPN+fóbico. Ontem tivemos a feliz notícia que o governo Rio Grande do Norte publicou uma portaria conjunta que “dispõe sobre a elaboração do Plano Estadual de Promoção e Defesa dos Direitos de Refugiados, Apátridas e Migrantes LGBTI+ e dá outras providências”. Essa iniciativa torna o RN o primeiro estado do país a ter uma orientação e plano específico para a comunidade LGBTQIAPN+ migrante e refugiada. No entanto, precisamos pressionar enquanto movimento social para que esse plano se multiplique pelos estados do país e que se possa também partindo das experiências estaduais amadurecer e desenvolver um plano a nível nacional para acolher, encaminhar e executar políticas públicas para essa população e suas especificidades. 


       O Brasil não pode continuar a ser um dos países que mais mata pessoas LGBTQIAPN+ no mundo, precisamos de Políticas Públicas para acolher quem precisa de acolhida em nosso país e garantir vida digna para todas as pessoas independente da sua orientação sexual e identidade de gênero. Nesse dia no Orgulho declaramos que o nosso Orgulho existe! Ele segue sendo resistência em movimento e o nosso amor não tem fronteiras!


Bruna Souza Jacob é graduanda do bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade da UFBA, bissexual e bolsista do NAMIR/UFBA


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    Insurgência Reconstrução Democrática
  • 1 de jun. de 2024
  • 4 min de leitura

Por Juan Leal e Tarcísio Motta



Não é possível pensar a vida no Rio de Janeiro sem considerar o domínio das milícias sobre os territórios e a sua influência na dinâmica política da cidade. Se um dia as milícias foram consideradas apenas grupos de segurança privada que incidiam no vácuo deixado pelo Estado, hoje, elas são grupos organizados que detêm terras e comportam-se como fornecedores de gás e de serviços de tv a cabo, além de atuarem com serviços de matadores de aluguel e de possuírem negócios junto ao tráfico de drogas. Mais do que isso, são parte importante nos espaços de poder, com braços no alto escalão da prefeitura e do governo do estado, nas casas legislativas e no comando das polícias. No Rio, as milícias não são um poder paralelo, elas estão na estrutura do Estado, atravessando diferentes governos, com condição de definir o planejamento urbano da cidade.


De acordo com um levantamento do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni/UFF), feito em parceria com Fogo Cruzado, as milícias já controlam 57,5% do território da capital. O crescimento exponencial do domínio desses grupos está intimamente associado ao projeto de cidade desenvolvido nas últimas duas décadas. Deste controle territorial, 93,8% está localizado na Zona Oeste, região com maior potencial de expansão urbanística e alvo dos investimentos bilionários durante o período dos megaeventos. As construções dos equipamentos esportivos foram acompanhadas de investimentos em transporte, especialmente com o corredor do BRT, de infraestrutura para atração de empresas e, consequentemente, da especulação imobiliária. Diante do adensamento das Zonas Sul e Norte da cidade, a Zona Oeste foi palco de um processo de expansão significativo neste período.


Ao mesmo tempo, os grupos de segurança particular, anteriormente chamados de “polícia mineira”, consolidavam-se cada vez mais e com apoio político para sua atuação. Em 2006, o então candidato a governador do estado, ora sub-prefeito da Zona Oeste, Eduardo Paes, afirmou que as milícias atuavam “com inteligência” e levavam “tranquilidade para a população”. Dois anos depois, Paes seria eleito prefeito da cidade e faria do Rio de Janeiro um laboratório do capital, marcando o planejamento urbanístico da cidade. Reeleito em 2012, o prefeito entraria para a História com o maior número de remoções forçadas, retirando inúmeras famílias de suas casas, ao passo em que a grilagem de terras avançava em bairros da Zona Oeste em conluio com a especulação imobiliária.

 

Este movimento casado possibilitou que as milícias passassem a controlar terras com alto valor de mercado, fazendo com que o negócio imobiliário rendesse lucros exorbitantes aos grupos criminosos. Recentemente, em delação premiada, o assassino confesso de Marielle Franco, Ronnie Lessa, afirmou que o pagamento pelo crime seria feito a partir da transferência de terras que somavam quantia próxima de R$100 milhões.


Em um país que nunca realizou sua reforma agrária, a grilagem de terras marca a História como um dos principais elementos de reafirmação das desigualdades sociais e dos crimes praticados na cidade e no campo. Em 2022, o Brasil atingiu a marca média de um conflito por terra a cada quatro horas. As mãos que dizimaram a população indígena e que, até hoje, assassinam centenas de pessoas nas regiões rurais são as mesmas que mataram Marielle Franco e que impõem o terror à maior parte do povo carioca.


A delação de Lessa revela a estrutura complexa de atuação das milícias e a forma como essa rede envolve agentes públicos de diferentes escalões. Após o domínio da terra, os grupos milicianos conseguem a topografia e a regularização a partir do trabalho de empresas legalizadas, com inserção no mercado. E, muitas vezes, se valem de legislações criadas com o intuito de beneficiar a construção de moradias populares para facilitar o processo. Para isso, a colaboração dos vereadores é essencial.


Um dos instrumentos são as chamadas Áreas de Especial Interesse Social (AEIS), destinadas ao assentamento de moradias populares, demarcadas no Plano Diretor ou através da lei de zoneamento. A finalidade da legislação tem sido constantemente desviada na Câmara Municipal através da criação de zonas à serviço da necessidade de regularização de terras controladas pelas milícias. Em 2017, Chiquinho Brazão – acusado de ser um dos mandantes do assassinato de Marielle - apresentou um projeto de lei para criar AEIS nos bairros do Tanque e da Praça Seca. Das quatorze localidades apresentadas no PL, oito eram notavelmente controladas pelas milícias. Marielle foi enfaticamente contrária ao projeto.


Por trás dos detalhes revelados pelo assassino de Marielle, está uma constatação que já tinha vindo à luz na Comissão Parlamentar de Inquérito conduzida pelo PSOL em 2008: o combate às milícias exige um esforço coordenado de todos os poderes públicos. Não se trata apenas de mudanças na legislação, tampouco de abrir uma guerra bélica com esses grupos, que, afinal, são parte do próprio aparato repressivo do Estado. É urgente desmontar a rede que sustenta a economia dos grupos milicianos. A fiscalização da prestação de serviços nos territórios e a regulação do mercado imobiliário são pontos de partida fundamentais para isso.


É preciso ressaltar: os lucros das milícias através da grilagem de terras estão ancorados em seu poder político e no aparelhamento da própria estrutura do Estado. Portanto, é inevitável que o combate às milícias passe, em grande parte, pela arena eleitoral. O Rio de Janeiro precisa refundar seu marco de poder. Diante de grupos criminosos que controlam a maioria do território da cidade, o compromisso político de combate às milícias deve ser integral. O povo do Rio de Janeiro vem pagando muito caro por acordos criminosos feitos por quem governa a cidade há muito tempo. Quem se associa às milícias - seja nomeando milicianos como secretários e assessores, seja flexibilizando legislações para possibilitar o avanço da grilagem - não pode mais ter espaço no aparelho público. Com milícia, não tem jogo. Não pode ter.

 


Juan Leal é cientista social e presidente do PSOL Carioca.

Tarcísio Motta é professor e deputado federal pelo PSOL.


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