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  • Foto do escritor: Insurgência Reconstrução Democrática
    Insurgência Reconstrução Democrática
  • 12 de nov. de 2024
  • 6 min de leitura

Por Afrânio Castelo

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A luta pelo fim da escala de trabalho 6x1 tem ganhado cada vez mais espaço na luta política brasileira, chegando agora ao Congresso Nacional, com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), a partir da demanda do movimento Vida Além do Trabalho (VAT).

 

Essa importância não é um acidente. A luta pela jornada de trabalho condensa as principais contradições do sistema capitalista, uma forma social em que “a riqueza atual está baseada sobre o roubo de tempo de trabalho alheio”, na definição breve e brilhante dada por Marx nos Grundrisse.

 

Nessas poucas palavras, está contida a verdade do capitalismo e o sentido mais imediato da luta de classes: a luta pelo tempo. Para o capitalista, quanto mais o trabalhador produz, maior a riqueza apropriada pelo patrão. O coração do sistema, assim, pulsa em torno de quanto tempo o capital é capaz de obrigar o trabalhador a produzir valor e de como essa produção de valor se divide entre lucros e salários. Para o trabalhador, é o tempo para viver e desenvolver suas capacidades que é roubado, de forma que sua vida passa a ser limitada a servir ao capital.

 

Não à toa, é em torno da luta pela redução da jornada de trabalho que o movimento operário se reorganizou internacionalmente após o refluxo que se seguiu à derrota da Comuna de Paris, atingindo novos patamares de mobilização e organização. Serão os quinze anos entre os fuzilamentos dos comunardos e o enforcamento dos mártires de Chicago que definirão a transformação do movimento operário em uma tremenda força social, “mobilizada num único exército, sob uma única bandeira, por um único objetivo imediato: a fixação legal da jornada legal de  trabalho”, como celebrou Engels.

 


Os três Oitos e nossos Mártires

 

“A partir de hoje nenhum operário deve trabalhar mais de oito horas por dia.

Oito horas de trabalho! Oito horas de repouso! Oito horas de educação!”

 

É com essas palavras grafadas em grandes cartazes que as grandes cidades dos Estados Unidos amanhecem no 1º de maio de 1886. A decisão havia sido tomada um ano e meio antes, em novembro de 1884, quando os representantes da classe trabalhadora norte-americana, reunidos em um congresso da American Federation of Labor (AFL), na cidade de Chicago, decidiram marcar para essa data uma poderosa greve geral pela jornada de oito horas.

 

Foi em Chicago que a batalha foi mais sangrenta. Com a greve geral prolongando-se sem trégua por vários dias, os patrões organizam a repressão aos grevistas. No dia 3, a polícia investe contra os grevistas de uma gráfica e atira sobre eles: seis mortos, cinquenta feridos e centenas de presos. A greve geral prossegue e um grande ato é convocado para o dia seguinte, que acaba em um banho de sangue. Uma bomba é lançada na multidão, atingindo operários e policiais, que passam a atirar em todas as direções. Nunca se pôde contar o número de mortos daquela tarde, mas a máquina da “Justiça” foi rápida: sete líderes operários são presos; um oitavo, que havia conseguido escapar da prisão, se apresenta no tribunal: “Vim para ser condenado, Excelência, com meus companheiros inocentes”. Ao fim do julgamento, cinco operários foram condenados à pena de morte. Dos condenados à morte, um consegue suicidar-se, mas quatro são enforcados, para alívio da burguesia. Com seu sangue, escreveram as leis que normatizam a jornada de oito horas a partir de então.


 

A jornada de trabalho na época da Automação e do Capitalismo de Plataformas

 

Nos primórdios da Revolução Industrial, o dia de trabalho escalava as 12 horas ou mais, desconhecendo gênero ou idade. Após a greve geral de 1886, foram necessárias décadas de luta para que se generalizasse a jornada de oito horas. Enquanto isso, a produtividade do trabalho, empurrada pela inovação tecnológica permanente, não parou de crescer, sem que as condições de salário e trabalho da classe trabalhadora, incluindo aí a redução da jornada, chegassem sequer perto de acompanhar esse ritmo. Pelo contrário, a tendência para a redução das taxas de lucro que acompanha o desenvolvimento do capitalismo impele os patrões a procurar sempre ultrapassar todas as barreiras da exploração. O bilionário chinês Jack Ma, dono da gigante do e-commerce Alibaba, por exemplo, não se acanha em propor para hoje o “sistema 996”, ou seja, uma jornada das 9 da manhã às 9 da noite, seis dias na semana. Está evidente a contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais de produção, cada vez mais difíceis.

 

Enquanto as próprias relações capitalistas testam seus limites com a automatização de empresas e estabelecem novas formas de subordinação do trabalho, por meio de empresas do tipo plataforma, como o Uber e assemelhadas, as relações entre Capital e Trabalho ficam ainda mais veladas. Nesse tipo de relação mediada pela tecnologia, o trabalhador “adere” ao capital quase alegremente, acreditando ser “patrão de si mesmo” e ter o “controle do seu dia”, quando passam a exercer jornadas sem vínculos reconhecidos, respeito aos limites legais nem direitos sociais regulamentados. Mesmo para trabalhadores de setores tradicionais, a reorganização capitalista que envolve tais mudanças e a incapacidade do sistema superar uma profunda crise têm gerado situações cada vez mais regressivas, como o contrato zero hora, o aumento da jornada tradicional e a realização de diversas tarefas.

 

Nessas condições, o debate sobre a redução e regulação da jornada de trabalho pode, novamente, cumprir um papel fundamental na denúncia do sistema capitalista e na mobilização dessa camada de trabalhadores e dos trabalhadores precarizados, em geral, que cresce exponencialmente em um contexto de pouca experiência de luta ou cultura de classe, dado o avanço do próprio capital como uma cultura e suas promessas de liberdade, no neoliberalismo.

 

Essa fração gigantesca da classe trabalhadora não irá organizar-se ou chegar à consciência de classe de forma espontânea. Assim como no tempo das lutas pelos três oitos, é preciso que os grupos organizados dediquem energia política à organização do precariado, indo além de mensagens em grupos de WhatsApp e redes sociais, através da distribuição de panfletos, agitação nos seus locais de concentração, convites para reuniões etc. É preciso sair da constatação que esse setor está sob forte influência da ideologia dominante e dirigir o trabalho político para a participação em suas fileiras.

 

A palavra de ordem justa ajuda muito, mas sem essa dedicação militante não haverá movimento de classe entre uberizados e precarizados.


 

Fortalecer a luta contra a jornada 6x1 para além da PEC

 

No Brasil, contrariando a tendência à adaptação das centrais e sindicatos, a luta pela redução da jornada ganhou impulso, na forma de luta contra a jornada 6x1. Trata-se de uma luta que apenas agora  começou a ganhar espaço, mas que abre um importante caminho para chegar aos setores mais explorados do capitalismo contemporâneo.

 

Essa luta, entretanto, ainda merece mais discussão e elaboração, para que seja compreendida devidamente pelo conjunto da classe, incorporando diretamente precarizados e uberizados, indo além da denúncia do trabalho como fonte do esgotamento físico e mental e fazendo do debate sobre a jornada a porta de entrada de uma crítica mais completa e radicalizada do capitalismo contemporâneo.

 

Esses limites aparecem expostos no próprio texto da PEC. Apesar de apresentada como contrária à escala 6x1, a PEC é, na verdade, uma proposta de redução geral da jornada de trabalho, das atuais 44 para 36 horas semanais, a ser cumprida em escala 4x3 de 8h diárias, que soma uma jornada de 32 horas semanais, misturando escala com horas trabalhadas. Aliás, a escala 6x1 não é a única escala vigente na jornada atual. Muitas categorias, como trabalhadores da saúde, têm escala de 12x36 e até 24x72 horas.

 

Essa imprecisão pode dificultar a compreensão exata da proposta por parte do conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras, como os que trabalham em escala que não seja a 6x1, já está sendo explorada pela direita (vide declarações do deputado federal bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) e até mesmo por integrantes do governo Lula para deslegitimar a proposta e desmobilizar a luta.

 

No entanto, isso não diminui o mérito nem as potencialidades dessa pauta. O momento é de organizar o movimento, com a criação de comitês de luta pela redução da jornada de trabalho, fazendo dessa pauta uma grande oportunidade para retomar as melhores lições e práticas da luta de classes, enfrentando praticamente as ideias pró-sistema que encontram-se disseminadas nos setores mais empobrecidos e precarizados da classe trabalhadora brasileira, lançando as pontes para uma renovação decisiva na capacidade da esquerda em travar a luta de classes nas atuais condições históricas.


 

Afrânio Castelo, militante da Insurgência RD e organizador do Fórum de Defesa do Trabalho Decente Ceará.

 
 
 
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    Insurgência Reconstrução Democrática
  • 7 de nov. de 2024
  • 9 min de leitura
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Em meio à derrota histórica da esquerda, as eleições mostraram as dificuldades de disputar a sociedade e a vitória de um programa reacionário. Urge organizar e mobilizar a sociedade, para além das eleições.


Encerradas as eleições municipais de 2024, com a realização do 2º turno no último fim de semana de outubro, é necessário identificar as dinâmicas e resultados dos grupos políticos e reconhecer, consequentemente, que a esquerda sofreu uma importante derrota eleitoral. A mídia hegemônica vem afirmando desde o fim do primeiro turno uma vitória do campo batizado de "centrão", alardeando que esse seria um prenúncio do fim da polarização que marcou o país no último período. Discordamos, pois, infelizmente, a esquerda saiu fragilizada e o bolsonarismo foi fortalecido com o pleito. A situação mostra os limites da política de conciliação e a necessidade de fortalecermos a esquerda para, cotidianamente, disputar corações e mentes.


A direita fisiológica e os instrumentos do golpe de 2016


O chamado "centrão" nada mais é do que a velha direita fisiológica brasileira, que sempre se estruturou em torno de uma posição de adesão ao governo de ocasião e de acesso a recursos públicos dos ministérios e emendas em troca de composição de maiorias parlamentares. Sendo assim, nunca representou uma posição de centro ideológico, muito menos no contexto da polarização entre a esquerda e o neofascismo bolsonarista. Pelo contrário, ao longo dos últimos 10 anos, tem expressado no debate público e incorporado em sua ação parlamentar o programa de sociedade do bolsonarismo, com sua vertente econômica ultraliberal expressado por figuras como Paulo Guedes. Assumindo organicamente pautas conservadoras que pronunciam a opressão de gênero, racista e LGBT, tem talvez na questão ambiental sua mais sintomática expressão: é esse corpo político hoje o mais significativo articulador da atuação do complexo agro-minero-industrial que promove incansavelmente suas ações ecocidas e que tem na disputa das políticas municipais a ponta de lança de sua intervenção na disputa de territórios e destinos da vida humana. Embora hoje grande parte desse campo componha o governo Lula, inclusive com a indicação de ministros, suas afinidades políticas os colocam mais próximos do bolsonarismo.


A vitória eleitoral desse campo, no entanto, não se deu por afirmação de elementos programáticos, o que sempre foge a suas características, mas pelo uso de dois instrumentos fortalecidos pelo golpismo de 2016, que transferiu grande parte do protagonismo da definição de políticas públicas para o parlamento: as emendas parlamentares e o fundo eleitoral. A eleição de 2024 foi marcada pelo uso indiscriminado dos mais de R$50 bilhões de emendas parlamentares, o que está associado à taxa de reeleição de 70%, em todo país. Nos municípios que mais receberam emendas, chegou-se a 98% o percentual de reeleição, índice inédito na democracia brasileira. Destacam-se, ainda, os estados de Alagoas e Roraima, onde todos os prefeitos se reelegeram. A centralidade dessas estruturas se torna mais nítida quando observamos que o crescimento desse campo não se deu nas urnas em si. Embora agora tenha 3.066 prefeituras (55% de todos os executivos do país), 366 prefeituras a mais que em 2020, quando o “centrão” detinha 2.700, deve ser observado que o seu crescimento se deu na janela partidária de abril deste ano, quando passou a somar 3.267 prefeituras. Essa corrida de prefeitos ao centro se explica justamente pelo controle destes partidos sobre as emendas parlamentares e o fundo eleitoral, que se afirmam nesse cenário como mecanismos de uso direto da máquina pública na disputa da correlação de forças.


O bolsonarismo segue sendo o campo mais dinâmico e mobilizado


O outro campo vitorioso foi justamente o bolsonarismo raiz, tendo o PL eleito 516 prefeituras, 172 a mais do que as 344 que detinha em janeiro de 2024. Embora esse número em si não impressione se comparado ao centrão, o PL foi o partido mais votado diretamente, com quase 16 milhões de votos, resultado de uma alta votação principalmente nos grandes centros urbanos e nas cidades com mais de 200 mil eleitores (cidades com segundo turno). Aliás, o PL foi o partido que mais disputou segundos turnos nesse pleito (10). Ainda que também tenha uma grande parcela das grandes superestruturas de emendas e o maior fundo eleitoral por partido, o fato é que seu crescimento se deu essencialmente nas urnas, demonstrando que segue sendo o principal mobilizador de votos e o campo mais dinâmico na atual conjuntura.


A realidade do resultado eleitoral comprova o que já era a avaliação do PSOL: o fenômeno bolsonarista não é algo pontual e circunscrito ao período que seguiu ao golpe de 2016, tampouco é dependente das estruturas de Estado que tiveram ao longo de 4 anos da presidência de Jair Bolsonaro. Trata-se de um fenômeno assentado nos aspectos mais retrógrados da sociedade brasileira, como o racismo estrutural, a cultura patriarcal e o aparato militar repressivo nunca desmontado após a redemocratização. Galvaniza esse campo através de um programa restritivo de direitos, ecocida e reacionário de sociedade junto a uma política ultraliberal que o permite se coesionar com outros setores de aspecto neofascista internacionalmente. Portanto, esse processo é pouco dependente da própria figura que dá nome ao fenômeno atual, como demonstrou a votação de Pablo Marçal, em São Paulo, que em larga medida antagonizou com a família Bolsonaro. Na verdade, é possível afirmar uma diversificação de porta-vozes desse campo ideológico, o que para eles é um elemento importante, tendo em vista a inelegibilidade do próprio Bolsonaro. O fato de apresentar candidaturas jovens e de ter apelo junto às juventudes e aos setores mais pauperizados são outros fatores que nos preocupam.


A magra derrota que impomos ao bolsonarismo em 2022, que se deu em meio aos desgastes causados pela pandemia e apesar do forte apelo popular de Lula, mostra sua dimensão com mais nitidez agora.


A governabilidade por conciliação é o prenúncio da derrota


A expectativa do conjunto da esquerda antes da eleição era de crescimento, seja por se estar à frente do governo federal, seja pelas disputas e divisões dentro do campo bolsonarista, o que levou a um subdimensionamento do peso eleitoral dele. Embora tenha ocorrido um tímido crescimento do número de prefeituras do PT e PSB frente ao resultado de 2020 (125 a mais), o saldo do período é de 106 prefeituras a menos do conjunto da esquerda em geral, que teve cerca de 2 milhões de votos a menos do que nas eleições anteriores. Ainda que o tema do controle do aparato de Estado e da capacidade de mobilização do bolsonarismo sejam os mais centrais para a derrota sofrida, outros dois elementos, sem dúvida, contribuíram para o resultado: o esvaziamento dos processos de mobilização, lutas e vitórias concretas do último biênio e a governabilidade por conciliação, que levou parte da esquerda a buscar frentes com o centrão em detrimento de frentes de esquerda.


Mesmo fortalecido com a vitória eleitoral de 2022 e com a derrota da tentativa de golpe de 8 de janeiro, o governo federal não se mostrou capaz de implementar os elementos centrais do programa eleito nas urnas. A tentativa de isolar o bolsonarismo, incorporando na política do governo os interesses do mercado e de setores do centrão, não só não conseguiu fragilizar o bolsonarismo, como teve os efeitos reversos de submissão às maiorias parlamentares do Congresso e de incorporação de um programa econômico liberal com o teto de gastos. Uma série de propostas voltadas à disputa ideológica da sociedade, como por meio da comunicação, da justiça ambiental, do respeito incondicional aos povos originários e tradicionais, da educação popular e da vinculação dos programas de distribuição de renda a uma política de formação, não saiu do papel. Manteve-se uma dinâmica de veto e, em alguns estados liderados pelo campo da esquerda, como Ceará e Piauí, até criminalização das mobilizações por direitos, como visto nas greves dos servidores públicos.


A mesma formulação de governabilidade pela conciliação se manifestou na tática eleitoral, onde o petismo priorizou a construção de frentes com o centrão em detrimento de composição de frentes de esquerda. Essa tática, justificada pela ideia de evitar o “mal maior” de vitórias bolsonaristas, provocou o rebaixamento programático, muitas vezes circunscrito a uma defesa abstrata da democracia, levando a derrotas nos dois turnos e ao próprio crescimento das candidaturas bolsonaristas, estas últimas com programa completo e nítido. Isso para não falar da própria composição das chapas lideradas pelos partidos de esquerda, mas que, na verdade, refletem grupos tradicionais de fora deste campo, como no caso de Recife e Fortaleza, uma dinâmica de transformação que devemos considerar.


No entanto, as razões das derrotas sofridas pela esquerda não se circunscrevem a erros de avaliação ou de tática eleitoral. Atravessamos um período de profundas transformações no mundo do trabalho, onde os processos dispersivos da classe trabalhadora iniciados com o período neoliberal se aprofundam, com a incorporação de novas tecnologias e o processo de plataformização, não dissociados de ferramentas das mais diversas de desmobilização e criminalização daqueles e daquelas que lutam. As ferramentas tradicionais de organização têm demonstrado, sobretudo para as frações assalariadas da classe, imensas debilidades em sua capacidade de incisão social e política ante essa nova realidade - exceção feita a alguns poucos segmentos do serviço público - e, tampouco, novas formas de organização da classe emergiram nesse último período. Os vínculos comunitários também têm sido fragilizados, cedendo espaço ao discurso do fundamentalismo religioso de caráter regressivo, individualista e conservador, fragilizando as organizações populares de bairros e favelas. Com a exceção do movimeno negro, do movimento feminista e indígena, e algumas poucas mobilizações grevistas de maior expressividade, foram poucas as iniciativas que pautaram o debate público e tiveram penetração de massas. Essas importantes mobilizações também padecem de um acúmulo organizativo e programático comuns, que leve a sínteses em torno de um novo projeto de sociedade. Além disso, as limitações impostas pela política de conciliação impedem que a esquerda seja mais incisiva nas mobilizações existentes, como ficou evidente na demora do governo em se posicionar junto ao movimento feminista contra o PL do estupro, isso quando não se coloca em oposição direta ao movimento, como no caso da greve nacional da educação. Vitórias eleitorais não serão alcançadas sem uma mobilização constante da sociedade - esse é um aprendizado histórico que deve voltar a pautar nossas ações, antes e nas eleições.


O lugar e o papel do PSOL nas eleições


O PSOL, que estava numa dinâmica de crescimento, acabou por estagnar e, em parte das grandes cidades, reduzir sua votação. Os números absolutos mostram uma queda de 88 vereadores eleitos em 2022 para 80 vereadores eleitos em 2024, com o principal sucesso eleitoral em cidades pequenas, o que salienta o balanço negativo do processo, uma vez que a prioridade eleitoral definida apontava para a ampliação das bancadas nas capitais e nas cidades de mais de 200 mil habitantes. Isso em um contexto de inédito aporte de recursos via fundos públicos. Embora a política do partido tenha sido a de buscar a composição de frentes de esquerda, na maioria dos casos isso foi frustrado pela busca do PT de arcos que incorporaram o centrão, o que levou, em alguns casos, ao apoio informal a essas chapas ou à incorporação de partidos estranhos à esquerda nas coligações de nossas candidaturas. 


Um problema encontrado foi como nossas candidaturas lidaram com as pressões conjunturais, uma vez que, embora a contraposição pública à política de ódio do neofascismo tenha se destacado em nossas candidaturas, os demais elementos característicos de nosso programa, em alguns cenários, cederam lugar à defesa genérica da democracia, à crítica à eficácia de gestões e à proposições pontuais sobre o dia a dia da classe. O abandono estético dos símbolos da esquerda pelo uso de outros mais palatáveis ao eleitorado conservador é mais um elemento que nos faz parecer “mais do mesmo”. Houve grande dificuldade em apresentar um projeto global de cidade que se contrapusesse tanto ao neofascismo quanto ao liberalismo, e diversos exemplos de recuo em pautas que foram muito fustigadas por esse campo, em especial as ligadas aos direitos humanos, a questão ecológica, segurança pública e a denúncia da guerra às drogas. Pressionados, também, por certo pragmatismo eleitoral, parte considerável de nossas campanhas adotou métodos de fazer campanhas muito mais próximas das campanhas tradicionais, com a mobilização contratada e a realização de grandes eventos ganhando mais espaço frente a iniciativas de relação com os movimentos ou territórios das cidades.


O resultado objetivo dessas opções táticas nos demonstra que não haverá atalho e nem saída fácil. Ainda que, nesse processo eleitoral, a esquerda tenha perdido a oportunidade de afirmar seu programa e seu campo político, de agora até 2026 as tarefas permanecem: a da defesa do governo Lula frente à extrema direita, a pressão pela concretização do programa vitorioso nas urnas em 2022 e a preparação de uma frente capaz de impedir uma vitória do neofascismo. Na complexa combinação dessas tarefas, nos próximos dois anos, o PSOL não deve se restringir, em sua atuação pública e nos parlamentos, aos limites impostos pela governabilidade por conciliação. Não cabe a nós, na busca por maior protagonismo no debate público ou de frentes eleitorais mais amplas, tentar assumir o papel de fiadores da frente em torno do governo Lula. Não se trata de estabelecer uma política do partido em diferenciação com a frente, em busca de um abstrato voto antissistema, mas de não permitir que o neofascismo seja o único setor em campo a disputar hegemonia de seu programa na sociedade brasileira, levando o terreno político cada vez mais para a direita, sem objeção.


Vivemos em um momento muito defensivo da classe, esvaziamento dos processos de luta e de crescimento do neofascismo, e nele os resultados eleitorais seguirão sendo limitados e não oferecerão respostas políticas à altura das necessidades da conjuntura. Por isso, é fundamental que coloquemos em primeiro plano a necessidade de construção de iniciativas unitárias, plurais e menos sectárias no dia a dia dos movimentos e nos processos de mobilização da classe, nos tornando mais permeáveis àqueles que concordam conosco, mas se encontram dispersos pela conjuntura. De imediato, algumas agendas dos movimentos sociais são espaços importantes para o fortalecimento das mobilizações unitárias, como a Cúpula dos Povos e a Marcha das Mulheres Negras, que ocorrerão em 2025 e que já contam com parcela da nossa militância engajada. O próprio PSOL só contribuirá com um processo mais amplo de reorganização da classe na medida em que, ativamente, se mantenha um partido plural e atrativo a uma série de lutadores, lutadoras e movimentos sociais. A conjuntura nos exige um partido mais unitário e, ao mesmo tempo, firme em seus princípios e consciente de seu papel histórico.


Editorial da Insurgência Reconstrução Democrática


 
 
 
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    Insurgência Reconstrução Democrática
  • 28 de jun. de 2024
  • 4 min de leitura

Por Bruna Jacob


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O mês de junho é considerado mundialmente o mês que celebra o Orgulho LGBTQIAPN+. Dia 28 de junho comemora-se o dia internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, marcado pela revolta de Stonewall que aconteceu em 1969, na cidade de Nova Iorque nos Estados Unidos da América (EUA). Nessa data o bar que era um refúgio para pessoas que fogem ao padrão da hetero-cis-normatividade, foi invadido pela polícia local que fortemente reprimiu os protestos que pediam um basta na violência contra a comunidade LGBTQIAPN+. A repressão foi mais forte sobretudo aos corpos queers. Liderados por Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera - ambas pessoas trans - a comunidade em Nova Iorque naquela data pediu por mais direitos, o fim da repressão do Estado e consolidou ao longo da história essa data como um marco internacional na luta por direitos para a comunidade LGBTQIAPN+. 


Infelizmente ainda em 2024, precisamos lutar por direitos e contra a violência para essa comunidade tão violentada, criminalizada e morta pelo Estado e pela sociedade. O Brasil registrou 257 mortes violentas de pessoas LGBQIAPN+ em 2023 de acordo com levantamento realizado pelo Grupo Gay Bahia (GGB), a Organização Não Governamental (ONG) LGBT mais antiga da América Latina. Há mais de 40 anos o grupo coleta informações sobre mortes de pessoas da comunidade via pesquisa materiais na mídia, internet e informações de familiares dessas pessoas. Tendo em vista que não temos dados oficiais governamentais sobre essa questão, esse número pode e provavelmente é ainda maior que o apresentado pelo GGB. Esses dados coletados colocam o Brasil como um dos lugares mais perigosos no mundo para viver sendo uma pessoa LGBTQUIAPN+. 


Precisamos pensar um mundo possível em que as pessoas não sejam mortas e violentadas por conta da sua orientação sexual e identidade de gênero. Vestígios históricos nos mostram que em momentos de um passado não tão distante em várias civilizações africanas e indígenas, diversas orientações sexuais e expressões de gêneros eram vividas livremente nessas comunidades. Parafraseando o grande autor e pensador ingena Ailton Krenak: O Futuro é Ancestral. Povos não brancos, especificamente os mais ligados à mãe Terra, estão há tempos nos ensinando cosmovisões diversas e que conviver com a diversidade faz parte da vida coletiva e integrada com a Terra. 


A floresta é sinônimo de diversidade e cooperação mútua entre seres. Temos muito que aprender sobre caminhos possíveis de construções sociais sem violência, nossos passos vêm de longe e isso jamais podemos esquecer. É certo que no caso do Brasil a colonização europeia instituiu tempos de muita violência e esse processo ainda não acabou. Celebrar o nosso orgulho é celebrar também a memória de vários ancestrais que já se encantaram lutando por um mundo melhor e pelo direito de amar sem temer. É relembrar Tybira, originário do povo Tupinambá, e o primeiro caso de assassinato por LGBTQIAPN+Fobia que temos notícia no Brasil, em 1614, em São Luís, Maranhão. Tybira foi preso na boca de um canhão e executado pelos europeus acusado do crime de sodomia. 


Atualmente, vivemos a era da mobilidade humana, e é fato que muitas pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ estão em condição de migrantes e refugiados pelo mundo. É importante deixar explícito que povos já viviam nesses territórios antes deles serem fatiados, explorados, recheados de linhas imaginárias e fronteiras fortemente “protegidas” com armas e repressão violenta, para delimitar países. A exemplo dos Ticunas, povo indigena que vive no Brasil, Peru e Colômbia, inclusive antes de se tornarem esses países separando familiares, comunidades e territórios de identidade por meio de uma fronteira instituída ali pelo Estado. 


Migrar é um Direito Humano, bem como exercer sua orientação sexual e identidade de gênero livre de violência e de restrição de direitos por ser quem se é. Da mesma forma que ainda temos muito que avançar nas questões sobre os direitos migratórios, também temos muito para avançar no combate a violência de gênero e sexualidade. Em mais de 70 países é proibido ser LGBTQIAPN+ e em alguns deles a sentença pode ser de morte. Seja pelo estado, seja pelos civis aplicando seu ódio LGBTQIAPN+fóbico. Ontem tivemos a feliz notícia que o governo Rio Grande do Norte publicou uma portaria conjunta que “dispõe sobre a elaboração do Plano Estadual de Promoção e Defesa dos Direitos de Refugiados, Apátridas e Migrantes LGBTI+ e dá outras providências”. Essa iniciativa torna o RN o primeiro estado do país a ter uma orientação e plano específico para a comunidade LGBTQIAPN+ migrante e refugiada. No entanto, precisamos pressionar enquanto movimento social para que esse plano se multiplique pelos estados do país e que se possa também partindo das experiências estaduais amadurecer e desenvolver um plano a nível nacional para acolher, encaminhar e executar políticas públicas para essa população e suas especificidades. 


       O Brasil não pode continuar a ser um dos países que mais mata pessoas LGBTQIAPN+ no mundo, precisamos de Políticas Públicas para acolher quem precisa de acolhida em nosso país e garantir vida digna para todas as pessoas independente da sua orientação sexual e identidade de gênero. Nesse dia no Orgulho declaramos que o nosso Orgulho existe! Ele segue sendo resistência em movimento e o nosso amor não tem fronteiras!


Bruna Souza Jacob é graduanda do bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade da UFBA, bissexual e bolsista do NAMIR/UFBA


 
 
 
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