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Ecossocialismo ganha corpo e voz em Maraú

  • Foto do escritor: Insurgência Reconstrução Democrática
    Insurgência Reconstrução Democrática
  • 4 de ago. de 2024
  • 5 min de leitura

Por Eduardo d´’ Albergaria

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Na paradisíaca Península de Maraú BA, a luta em defesa da natureza, dos modos de vida tradicionais e do acesso às praias e aos mangues vem ganhando corpo e a voz de pescadores, marisqueiras, agricultores familiares e trabalhadoras e trabalhadores do município. 


Numa decisão histórica em maio, a Justiça obrigou um proprietário a reabrir o acesso ao mangue para a acomunidade, e a prefeitura removeu uma ponte de 600 metros  que estava sendo construída com madeira ilegal. 


Essa vitória inédita só foi possível porque contou com a mobilização popular para pressionar as instituições a cumprirem seu dever constitucional, cuidar dos direitos difusos de comunidades e da natureza, e com isso frear a força da grana sobre os territórios. 


Maraú viu florescer nos últimos anos uma série de coletivos e organizações, como o Coletivo de Defesa do Meio Ambiente e outros direitos - que aposta na ação direta como resistência às invasões de praias; o Coletivo Mulheres Presentes - que organiza rodas de conversa e marchas nas comunidades; e a associação de moradores da Praia dos Algodões - que antes excluía os moradores sem imóveis regularizados em seu nome (ou seja, os mais pobres), e hoje, protagonizada por trabalhadoras domésticas, atua como uma rede de luta por transporte público, sendo responsável pelo primeiro protesto por transporte na história de Maraú (que não é coberto por nenhuma linha municipal).


Junto à mobilização dos coletivos, uma aposta para aglutinar a comunidade na reflexão sobre o destino comum do município tem sido o resgate cultural das raízes quilombolas, que, nas últimas décadas, foram frequentemente atacadas, em uma tentativa de apagamento. Desse caldo, formaram-se dois blocos de percussão nas comunidades, os quais, além de representar um espaço de convívio entre diferentes, vez ou outra, somam-se aos esforços de mobilização social.  


Nessa trajetória de luta, diversas rodas de samba e capoeira foram realizadas em comunidades por todo o município, promovendo o debate sobre especulação imobiliária e a preservação da natureza. Além disso, foi organizado um circuito de filmes e rodas de contação de histórias para crianças, dando visibilidade à negritude. Também foi criado um centro cultural e de acolhimento para mulheres - a Casa COMUM (Comunidades Unidas por Maraú) -, localizado na Sede do Município, um território reconhecido como quilombola, onde também se promove a formação política.


De igual modo, o Coletivo Mulheres Presentes tem organizado escutas sobre saúde mental, com foco no debate da violência de gênero. O Coletivo preza pelo acolhimento sensível, reconhecendo que, sob outro chamado, poderia encontrar resistência das próprias vítimas em participar do espaço. 


Outra aposta tem sido as experiências de solidariedade comunitária, para refletir, na prática, que há alternativas à política de favores. Na comunidade da praia dos Algodões, por exemplo, a associação mobilizou o conjunto da comunidade para construir uma casa para uma família que vivia numa situação de extrema vulnerabilidade. Cada um contribuiu com o que pôde - trabalho, recursos, restos de obra - e, assim, foi construída uma moradia digna. Na mesma linha, recentemente, iniciou-se uma campanha de arrecadação para reconstruir um terreiro de matriz africana (em plena Bahia, Maraú não tem mais nenhum templo ativo!). 


No entanto, para ecoar, a articulação dos movimentos sociais precisa ter condições de agitar e de se expandir. Assim, foi igualmente fundamental os esforços e criatividade dos grupos comprometidos com a comunicação, que se somam à luta por meio contribuições voluntárias, viabilizando uma interação qualificada nos grupos de whatsapp e perfis no Instagram - @comunidades.unidas.marau, @psolmarau e @cidafeliiix 


A brutal violência da especulação imobiliária sobre territórios e comunidades instigou também que setores médios progressistas se colocassem em movimento.  Assim, donos de pousadas, trabalhadores remotos e aposentados começaram a dedicar parte do seu tempo para compartilhar conhecimentos e ajudar a organizar coletivos de luta, sempre com a preocupação de dar protagonismo aos que vivem na terra há mais tempo, em especial às mulheres, tantas vezes silenciadas nesse território. 


Foi dessa aliança entre setores médios progressistas e a população nativa que surgiu a Comunidades Unidas por Maraú - uma aliança entre lideranças comunitárias, ativistas dos movimentos socioambientais, agentes de cultura, agricultores, servidores públicos municipais (em especial da saúde e educação). 


Depois de um longo debate sobre os rumos do município, a COMUM decidiu por lançar a chapa “Nossa Terra, Nossa Gente” pelo PSOL concorrendo à prefeitura com Cida Félix, mulher negra, marisqueira, quilombola, agente comunitária de saúde, que foi a vereadora mais votada da história de Maraú, quando enfrentou esquemas de corrupção da prefeitura e apoiou a pastoral dos pescadores para impedir uma mineradora de operar na Bahia de Camamu. 


Cida é, ainda, líder comunitária da associação de moradores da Ilha do Tanque BA e compõe o coletivo Mulheres Presentes. E, como mãe de um filho que precisou de medicação de uso contínuo, teve que aprender na luta diária sobre o funcionamento do Estado e suas políticas públicas. 


Em torno ao seu nome, constituiu-se uma chapa para conquistar uma bancada na Câmara de vereadores com sete lideranças negras e quilombolas, de diferentes comunidades do município, em uma campanha pela renovação da Câmara, que se compromete a estruturar mandatos coletivos. 


Já na pré-campanha, essa chapa coletiva tem cumprido um papel pedagógico nas comunidades. Em rodas de conversa, as políticas públicas são debatidas à luz das necessidades daquelas pessoas. Um processo de mobilização para construir o Plano de Governo que aposta na maior organização da sociedade como frente de resistência à especulação imobiliária e captura do território. Assim, estão se formando redes pela difusão da agroecologia, rede em defesa da educação pública de qualidade e da saúde, rede por um turismo responsável. 


Há ainda uma tentativa de diálogo pedagógico com a população sobre qual o papel de um vereador e um prefeito, e como a política de troca de favores é perversa, pois aprisiona.


A pressão da velha política se faz sentir no dia a dia: nas vulnerabilidades das pessoas - o que dificulta que tenham uma vida associativa -, na descrença, na longa distância entre as comunidades,  nas necessidades de ganhos imediatos, nas e nos assédios nos vastos cargos de uma prefeitura que há 16 anos não faz concurso, na coerção de empresários agressores do território. 


Mas, aos poucos, as comunidades unidas por Maraú vão encontrando brechas e caminhos para afirmar uma nova política, demonstrando que novos horizontes são possíveis e necessários.


Há muito pelo que se avançar: construir cooperativas na área rural e ampliar as feiras de agroecologia, apresentar o plano de governo e reconstruí-lo a partir de novas escutas, ampliar a formação política, promover o diálogo interreligioso num território espiritualmente muito diverso, ampliar ainda mais a rede de apoiadores dessa visão de desenvolvimento local, tocar a juventude. Se o ecossocialismo conseguir trilhar esses caminhos, Maraú se tornará um modelo de município verde, inclusivo, vivo e rico culturalmente, que se traduz em um lugar com qualidade de vida para seu povo e para as/os visitantes.


Maraú quer ser feliz!



Eduardo D’Albergaria, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e membro da Coordenação de Campanha - Cida Félix e chapa Nossa Terra Nossa Gente.

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