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Por um partido ecossocialista: um balanço do Encontro programático PSOL+20

  • Foto do escritor: Insurgência Reconstrução Democrática
    Insurgência Reconstrução Democrática
  • 1 de out.
  • 7 min de leitura
No último fim de semana, em São Paulo, o PSOL reafirmou ser um partido anticapitalista e avançou na compreensão da questão ambiental, ainda que não tenha se assumido ecossocialista; relação com o Estado, contudo, inspira preocupações.
No último fim de semana, em São Paulo, o PSOL reafirmou ser um partido anticapitalista e avançou na compreensão da questão ambiental, ainda que não tenha se assumido ecossocialista; relação com o Estado, contudo, inspira preocupações.

O novo programa partidário do PSOL foi aprovado, no último fim de semana, em conferência que marcou os vinte anos de legalização do partido. O texto reafirma o caráter anticapitalista da organização e sua independência de classe, ao passo que avança na compreensão de desafios do tempo presente, com destaque para a questão ambiental, o enfrentamento das plataformas digitais e a necessidade de conexão das lutas travadas por diversos sujeitos, como trabalhadores e trabalhadoras, mulheres, negros e negras, população LGBTQIAPN+, indígenas e demais povos e comunidades tradicionais. Assim, ainda que o debate programático tenha sido feito a frio, dado o contexto de pouca dinâmica interna na maior parte dos municípios, o PSOL confirmou seu papel como espaço de aglutinação de organizações revolucionárias e militantes, bem como unidade em pontos fundamentais, que devem ser transformados em luta coletiva. Os desafios que o partido tem enfrentado no último período, contudo, também permearam os debates, evidenciando as diferenças internas tanto em relação à estratégia quanto às movimentações táticas.


A centralidade da estratégia ecossocialista


O primeiro ponto de dissenso na conferência programática foi a afirmação do PSOL como um partido ecossocialista. Pelo menos desde 2009, o partido tem avançado no entendimento de que a contradição capitalista também se dá em relação à natureza. O agravamento da crise climática e suas consequências tornaram óbvio o caráter destrutivo deste sistema, que coloca a vida da humanidade e da natureza em risco. As lutas dos povos e comunidades tradicionais contra o avanço do capital em seus territórios tem ensinado sobre o caráter anticapitalista de conflitos que não estão diretamente associados ao mundo do trabalho, ainda que estes sigam centrais. Como resultado, o novo programa incorporou essa compreensão, mas não houve consenso na afirmação do PSOL como um partido ecossocialista pelo setor organizado no PSOL de Todas as Lutas (PTL). Em que pese a Primavera e o Campo Semente terem expressado acordo com o ecossocialismo, afirmaram estar fazendo uma concessão para a Revolução Solidária, em nome da unidade do PTL, votando contra a emenda proposta por Insurgência Reconstrução Democrática, Rebelião Ecossocialista, APS, MES, LSR, Centelhas e Alicerce.


Mais que “considerar a perspectiva ecossocialista”, como aparece no texto, compreendemos que a estratégia ecossocialista é a melhor síntese do socialismo do século XXI. Nesse sentido, diversas emendas que propusemos buscaram enfatizar: a necessidade de superação da apartação entre humanidade e natureza, que está na base do capitalismo e da sua visão instrumental em relação aos bens comuns; a crítica à visão homogeneizadora que subjaz à ideia de progresso e de desenvolvimento; o papel dos povos e comunidades tradicionais como sujeitos centrais para o projeto revolucionário; além de elementos da transição ecossocialista. Na contraproposta que apresentamos, estava explícito que: “devemos defender, portanto, um projeto popular, ecológico e radicalmente democrático que construa as bases econômicas, sociais e políticas para a transição ecossocialista”. Ao rejeitar a emenda que aglutinava tais ideias, o PSOL perdeu a oportunidade de afirmar essa síntese do legado socialista e dos desafios do presente, a qual poderia armar melhor o partido para as lutas crescentes frente às frequentes catástrofes socioambientais.


A caracterização e a relação com o Estado 


Uma diferença ainda mais demarcada apareceu no debate sobre o Estado e seus mecanismos de cooptação. Ao longo de todo o texto apresentado pelo setor majoritário, constava uma visão sobre o Estado como espaço neutro ou até favorável aos interesses da classe trabalhadora. Em uma primeira versão, estava escrito que: “a grande disputa de poder hoje se concentra em dois grandes pólos: Os bilionários e rentistas de um lado e o Estado e a maioria da população do outro”. Ao transpor tal entendimento para a análise específica do caso brasileiro em plenário, no texto e na discussão, esse setor sustentou que o capitalismo dependente brasileiro seria marcado por uma relação de distanciamento da burguesia do aparato estatal. O que resvala em uma visão tática de ocupação dos espaços institucionais para obtenção de conquistas e em uma ausência de problematização sobre a nossa relação com o aparato estatal.


Na esteira desse entendimento, o texto original afirmava um caráter progressista da Constituição Federal de 1988 e do modelo de Estado dela resultante, mesmo que com permanências de regimes anteriores, como o caráter colonial da nossa formação social e o aparato militar repressivo erigido durante a ditadura militar. Mesmo assim, tendo em vista essa não apenas neutralidade, mas até mesmo uma suposta posição favorável do Estado, caberia ao PSOL ocupar cada vez mais espaços na institucionalidade, incluindo espaços eletivos e de gestão pública, visando uma melhora paulatina da correlação de forças e também das condições de vida da classe até o socialismo. 


Tal compreensão ignora que o Estado formado em um país economicamente dependente, de origem colonialista e escravocrata não produziu somente um robusto aparato repressivo, mas também uma institucionalidade voltada para a centralização e captura de posições divergentes. Ao ignorar isso, aqueles setores acabam por reproduzir acriticamente a conhecida teoria da pinça - o partido teria um pé dentro e um fora da institucionalidade - e uma postura essencialmente reformista. É preciso fazer um balanço dessas posições. No caso da teoria da pinça, na prática vivida pelo PT, por exemplo, aquela dupla posição nunca foi equilibrada. As lutas sociais acabaram sendo submetidas aos interesses de reprodução de mandatos parlamentares e outros espaços bastante atrelados ao aparato estatal, tornando-se a antessala para o projeto de conciliação de classes que pauta o petismo e a esquerda oficialista brasileira, em geral. Esses elementos foram agravados com as mudanças institucionais produzidas a partir do golpe de 2016, em especial a partir de mecanismos como emendas parlamentares e fundo partidário milionários. Ambos pensados como instrumentos de congelamento das correlações de força dos parlamentos e das direções partidárias e cujos impactos na reprodução de mandatos e na burocratização já são sentidos nas eleições, vide a correlação direta entre montante de emendas investidos e taxas locais de reeleição nas eleições de 2024, e no nosso próprio partido.


Apresentamos um destaque unificado com a oposição sobre o tema, defendido em plenário  pela Insurgência Reconstrução Democrática e pelo MES. Na defesa da emenda, esses setores trataram, em primeiro lugar, da caracterização histórica feita na tradição marxista sobre o caráter classista do Estado. Já no Manifesto Comunista, vale lembrar, consta que a burguesia “conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O governo moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa”. É claro que muitas contradições permeiam o Estado e batalhamos para explorá-las a nosso favor,  nas lutas cotidianas por direitos, dentro e fora dos parlamentos. Mas é um equívoco não reconhecer seu papel fundamental e seus mecanismos de produção de hegemonia, que incluem formas de captura das organizações políticas. 


Essa polêmica não é nova. Ela pauta os debates no nosso campo socialista historicamente. Foi em resposta a ela que Rosa Luxemburgo escreveu o clássico “Reforma ou Revolução”. A crítica era exatamente contra a atitude empirista dos setores mais conservadores do Partido Social-Democrata da Alemanha, defensores de um revisionismo que acabou abafando as possibilidades revolucionárias naquele contexto. A resposta de Rosa não é uma negação da necessidade de conquistas imediatas, mas uma compreensão de que elas só seriam integralmente alcançadas no socialismo. Afinal, fora dele não é possível uma democracia substantiva. É no mesmo sentido que Trotsky desenvolveu o programa de transição, que reivindicamos, e lutou contra a burocratização na União Soviética.


O que essas experiências e discussões ensinam é que se afirmar anticapitalista não é suficiente para nos proteger e avançar. Nós não apenas ocupamos os espaços de poder, somos disputados por eles. É por isso que a melhor tradição socialista alerta sobre os riscos de uma visão que opõe reforma e revolução e foca sua estratégia na ocupação de nacos de poder. Também não é razoável, como ocorreu no debate programático do PSOL, a contraposição falaciosa entre querer ou não disputar o poder. A experiência da estratégia da pinça e, inclusive, os problemas que já temos vivenciado no PSOL remetem a essa questão. Contra a captura institucional, urge termos um programa e uma prática nítidos, bem como mecanismos que nos protejam de imediato, como o reforço do funcionamento coletivo de bancadas, o aprofundamento da democracia interna e de práticas de transparência, entre outras ações. Por isso, em vez de abafar a discussão, é fundamental a  realização de amplo debate interno sobre critérios e usos de fundos eleitorais e emendas parlamentares.


É por isso que, ainda que o texto não seja conjuntural, o olhar sobre a experiência da esquerda brasileira organizada em torno do petismo poderia estar mais presente, especialmente naquilo que sinaliza de programa. Além da estratégia da conciliação de classes, vemos crescer, em nome da chamada governabilidade, a assunção de pautas regressivas e que vão de encontro a possíveis saídas à esquerda na garantia de mais direitos e investimento público para políticas sociais, como as políticas de austeridade, corte de investimentos sociais e agenda de privatizações. 


O acúmulo histórico dos marxistas revolucionários no Brasil sobre os governos petistas aponta para uma crítica contundente à conciliação de classes promovida especialmente ao longo do século XXI. O caminho de composição de governo com frações importantes da burguesia e seus partidos, apesar de ter proporcionado, durante um tempo, vitórias pontuais importantes para a classe trabalhadora, manteve, em linhas gerais, uma orientação econômica ora neodesenvolvimentista ora neoliberal, sendo esta segunda com bastante força no atual governo Lula, apesar do programa eleito nas urnas ter apontado para uma política muito mais progressiva (por exemplo, tiveram centralidade nas eleições de 2022 a crítica ao teto de gastos e à reforma trabalhista, políticas que não foram revistas). 


Em nome do “combate à extrema direita”, parte do PSOL parece caminhar para uma adaptação pouco crítica ao lulismo. Ora, obviamente o elemento central que unifica a grande parte da esquerda brasileira é a luta contra o neofascismo. Nós também afirmamos essa centralidade na atual conjuntura internacional. Todavia, o fundamental está em saber qual a melhor tática para fazer esse confronto. Um caminho à esquerda é necessário e, como as últimas semanas mostram, favorável ao próprio governo. Afinal, em meio à crise que vivemos, a população reivindica políticas que enfrentem privilégios e garantam direitos. A saída, uma vez mais, é pela esquerda. E o PSOL pode e deve cumprir um papel fundamental ao pressionar o governo e, especialmente, mobilizar a sociedade nesse sentido. O que vimos na conferência é que há espaço para isso. 


Cabe a nós atuar para que o partido cumpra seu papel histórico de afirmar o ecossocialismo, construir e se somar às lutas imediatas e que apontam para uma nova sociedade. Que os próximos vinte anos sejam de lutas e conquistas!


Insurgência Reconstrução Democrática e Rebelião Ecossocialista

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